Título: LULA COBRA REFORMA DA ONU
Autor: Helena Celestino/Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 15/09/2005, O Mundo, p. 34

Presidente critica falta de transparência e diz que fome é arma de destruição em massa

No primeiro discurso de um presidente brasileiro no Conselho de Segurança da ONU, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou ontem a falta de transparência do mais importante fórum da organização internacional e voltou a defender a ampliação do número de membros permanentes e não-permanentes para adequá-lo às exigências políticas e econômicas de um mundo em profunda transformação.

Grande prioridade do governo Lula, a proposta de ampliação do conselho ficou fora do documento assinado pelos chefes de Estado e governo de 170 países, reunidos ontem em Nova York, na Cúpula Mundial 2005. O texto, fechado na terça-feira, limitou os sonhos do secretário-geral Kofi Annan de revolucionar a ONU à realidade de um mundo extremamente dividido, que só conseguiu consenso em torno de reformas tímidas e, junto com isso, deixou bem distante a possibilidade de o Brasil ter um assento permanente no Conselho de Segurança. Lula, diante dos que bombardearam a proposta brasileira, como o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, e da China, Hu Jintao, criticou indiretamente o documento.

- O projeto de reforma das Nações Unidas hoje é indissociável da atualização do Conselho de Segurança. Não é admissível que o conselho continue a operar com claro déficit de transparência e representatividade. A boa governança e os princípios democráticos que valorizamos no plano interno devem igualmente inspirar métodos de decisão coletiva no multilateralismo. Temos diante de nós uma oportunidade histórica de ampliar a composição do Conselho de Segurança de forma eqüitativa - disse Lula.

Convocada para rediscutir a ajuda ao desenvolvimento dos países pobres, a cúpula foi esvaziada devido à oposição americana a se comprometer com a destinação de 0,7% do PIB à luta contra a pobreza no mundo, posição ratificada por todos os países da Cúpula do Milênio em 2000. Refletindo a preponderância americana no mundo, o tema dominante neste primeiro dia do encontro foi muito mais a luta contra o terrorismo do que a intenção de reduzir à metade a fome no mundo até 2015. Saudando a resolução que acabara de ser aprovada pelo conselho para prevenir a incitação ao terrorismo, Lula deu mais uma cutucada na política americana, ao dizer que não haverá paz no mundo enquanto um bilhão de pessoas passarem fome.

- Insisto que este mal é a mais devastadora arma de destruição em massa - afirmou o presidente brasileiro

Resoluções contra terror e conflitos internos

Se enquanto falava no Conselho de Segurança Lula teve direito à atenção dos poderosos e dos jornalistas do mundo inteiro, seu discurso na abertura da reunião de alto nível da Assembléia Geral chamou muito menos atenção, pois aconteceu quando os representantes das grandes potências já estavam longe do plenário onde ele discursava e preparavam-se para almoçar. Nem pelas câmeras de televisão interna, que transmitiam para a grande sala de imprensa no subsolo da ONU, era possível ouvir o discurso do presidente, pois o áudio reproduzia o barulho dos chefes de Estado se sentando à mesa.

Também distante dos poderosos estava o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, almoçando no bandejão da ONU, com funcionários do Itamaraty. Mesmo dizendo que a proposta de reforma da ONU é um avanço e que os objetivos da política externa brasileira estão contempladas de forma razoável no documento, ele demonstrou que não acredita mais na possibilidade de o Brasil chegar ao Conselho de Segurança até o fim do ano.

- Nenhum prazo é um prazo fatal - disse.

Segundo ele, o Brasil esperava que até setembro teria conseguido aprovar a proposta do G-4 (Brasil, Índia, Japão e Alemanha), o que não foi possível. Reconhece que agora vai levar mais tempo e depende do acordo com africanos.

- Vai levar algum tempo, mas isso é normal - disse o ministro.

No Conselho de Segurança foram aprovadas ontem duas resoluções conclamando a comunidade internacional a proibir a apologia ao terrorismo e a fortalecer políticas para evitar conflitos, especialmente na África. As duas resoluções foram aprovadas por unanimidade pelos 15 membros do conselho, numa rara reunião com a presença dos próprios líderes mundiais.

O projeto antiterror - proposto pelo Reino Unido após os atentados de 7 de julho - pede que as nações adotem leis proibindo a incitação a atos terroristas e que neguem asilo a pessoas suspeitas. Também pede que os países "se oponham a ideologias extremistas violentas, inclusive com medidas para prevenir a subversão de instituições educativas, culturais e religiosas".

- Não derrotaremos o terrorismo até que tenhamos a mesma determinação que eles, até que a nossa defesa da liberdade seja tão absoluta quanto o seu fanatismo. Ele não será derrotado até que nós nos unamos e lutemos contra a propaganda envenenada que incita a estes atos - afirmou o premier britânico, Tony Blair.

Numa mudança de tom, Bush afirmou que somente a guerra não derrotaria o terror e que os líderes mundiais deveriam evitar as condições que levam oprimidos a pegarem em armas.

- A lição é clara. Não há segurança se olharmos para o outro lado ou buscar uma vida calma ignorando a opressão de outros - disse Bush. - Temos a obrigação solene de deter o terrorismo em seus primeiros estágios. Temos que fazer o possível para interromper cada estágio de planejamento e apoio a ataques terroristas.

A outra resolução - apresentada por Argélia, Benin e Tanzânia - estabelece mecanismos para reforçar o papel da ONU na prevenção de conflitos. O projeto se refere principalmente à África e pede que o Conselho de Segurança e a União Africana estabeleçam uma aliança para a paz e o desenvolvimento. Pede ainda às nações africanas que proíbam mudanças inconstitucionais de governo, promovam sistemas judiciais independentes e levem à justiça autores de genocídio, crimes de guerra e contra a Humanidade.

Legenda da foto: LULA COM o presidente do governo espanhol José Luis Zapatero, o premier francês, Dominique de Villepin, e o presidente do Chile, Ricardo Lagos: discurso no Conselho de Segurança