Título: STF derruba lei que dava foro privilegiado a ex-autoridades
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 16/09/2005, O País, p. 10 e 11

Benefício para ocupantes de cargos públicos alvos de ações de improbidade administrativa também acaba: Constituição protege cargo, não quem o ocupa

BRASÍLIA. O Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou ontem, por sete votos a três, a lei que dava foro privilegiado a ex-autoridades. Agora, mesmo se o processo for referente a um fato ocorrido enquanto a pessoa ocupava o cargo público, o caso deverá ser investigado e julgado pela primeira instância do Judiciário, como ocorre com todos os outros cidadãos. No mesmo julgamento, os ministros também acabaram com o direito de ocupantes de cargos públicos de serem processados e julgados em foro privilegiado por ações de improbidade administrativa.

Isso significa que qualquer procurador da República que atua na Justiça Federal pode propor ação por ato de improbidade contra ministros, parlamentares, governadores e até mesmo o presidente da República. A decisão foi tomada no julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público contra a Lei 10.628, sancionada em 2002 pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Os ministros do STF derrubaram a validade da lei porque, para eles, a Constituição protege o cargo, não a pessoa que o ocupou. Com isso, o STF deverá, aos poucos, remeter a instâncias inferiores dezenas de investigações contra parlamentares e ex-ministros por improbidade administrativa.

¿ O foro não é um privilégio, mas uma prerrogativa da função ¿ resumiu o ministro Cézar Peluso em seu voto.

Segundo a Constituição, o presidente da República, senadores, deputados federais e ministros têm o direito de serem processados e julgados pelo STF. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é o foro para governadores e os tribunais de Justiça, para prefeitos. Essas prerrogativas permanecem apenas para quem está à frente do cargo. No caso de improbidade administrativa, crime previsto pelo Código Civil, não há mais foro especial para nenhum brasileiro.

O julgamento da ação começou em 22 de setembro do ano passado, quando o relator, ministro Sepúlveda Pertence, considerou a lei inconstitucional. Ele disse que uma lei ordinária não poderia contrariar a interpretação dada pelo próprio STF à Constituição. Isso porque, em agosto de 1999, o STF revogou uma súmula do tribunal que mantinha o foro privilegiado a ex-ocupantes de cargos públicos, desde que o crime tivesse relação com o mandato exercido. O benefício valia inclusive se a ação passasse a tramitar após a autoridade deixar o cargo.

Quando Sepúlveda concluiu seu voto, Eros Grau pediu vista para analisar melhor o caso. Retornou com o voto apenas ontem e discordou do relator.

¿ O foro impede a banalização de ações penais contra autoridades ¿ alegou Grau.

Apenas dois ministros manifestaram-se da mesma forma: Ellen Gracie e Gilmar Mendes. Sepúlveda Pertence repetiu sua tese ontem e foi seguido pela maioria do tribunal.

¿ Eu entendo que há aí um abuso do Poder Legislativo porque, por lei ordinária, tentou-se forçar uma alteração da jurisprudência do Supremo, a quem cabe a guarda da Constituição ¿ declarou o relator.