Título: PRECONCEITO NA ROTINA DOS EMPRESÁRIOS NEGROS
Autor: Flávia Oliveira
Fonte: O Globo, 16/09/2005, Economia, p. 25

Pesquisa mostra que 35,6% dos empregadores no Rio sofreram discriminação racial. Maioria se queixa de clientes

Tanto quanto juros altos, dificuldade de acesso a crédito, inadimplência, carga tributária, o preconceito também faz parte da rotina dos empresários negros no Rio de Janeiro. O diagnóstico está em pesquisa inédita realizada pelo Círculo Olympio Marques (Colymar), uma organização criada em 1991 para estimular as atividades empresariais de afro-descendentes no Estado do Rio. No levantamento, 35,6% dos empregadores disseram já ter sofrido algum tipo de discriminação racial no exercício profissional. E a maioria (71%) enfrentou o preconceito dos clientes.

O Colymar, em parceria com a Fundação Interamericana, ouviu 326 empresários que se declaram pretos ou pardos, no segundo semestre de 2004. A amostra tomou por base a distribuição geográfica dos empregadores por raça e gênero do Censo 2000, do IBGE. Como a Região Metropolitana do Rio concentra 70% dos empresários negros do estado, foram selecionados empreendimentos instalados, além da capital, em Belford Roxo, Duque de Caxias, Nilópolis, Niterói, Nova Iguaçu, São Gonçalo e São João de Meriti.

Um quarto das empresas existe há mais de 15 anos

A consulta sobre discriminação foi incluída num cardápio de perguntas que investigou da origem da empresa ao salário dos funcionários, do perfil do empregador às dificuldades para tocar os negócios adiante. Barreiras como a alta e complexa carga tributária, a dificuldade de acesso ao crédito bancário e a própria conjuntura econômica são alguns dos pontos em que os empresários negros se igualam aos demais.

Entretanto, saltou aos olhos dos responsáveis pela pesquisa ¿ que será apresentada na próxima quarta-feira, dia 21, em seminário na Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) ¿ a longevidade e a alta proporção de empreendimentos de pequeno porte. Apenas 28,7% das empresas estão em atividade há menos de cinco anos. E quase um quarto (24,7%) delas tem mais de 15 anos de estrada.

Apesar disso, são poucas as que conseguem crescer. Na pesquisa, em mais de três centenas de empresários, apenas quatro empregam mais de 50 funcionários. Três em cada quatro têm, no máximo, seis empregados, cuja remuneração não ultrapassa três salários-mínimos.

¿ A longevidade desses negócios é superior à observada nas pequenas empresas. Isso sugere que há uma necessidade maior de empreender, talvez por falta de outras oportunidades de trabalho. Também chama a atenção o percentual alto de contratação de familiares ¿ diz o presidente do Colymar, Osvaldo Neves.

Ele só não se surpreende com a estatística sobre discriminação. Na quase década e meia de funcionamento do Colymar, Neves coleciona episódios de preconceito, especialmente no setor financeiro.

¿ Nos bancos, a discriminação racial começa na porta ¿ diz, numa referência ao sistema de trava das portas giratórias.

O tabelião Casemiro Silva Neto, de 61 anos, lembra de um encontro de empresários onde foi interrogado sobre como conseguira ascender na profissão. Ele começou limpando banheiro e carregando livros num cartório, aos 11 anos. Chegou a tabelião-substituto e, após a Constituição de 1988, tornou-se dono do 10º Ofício de Notas de Nova Iguaçu.

¿ Quando souberam que eu era tabelião, os empresários me perguntavam: você é genro de quem? ¿ conta Neto, que emprega 15 funcionários.

Noutra ocasião, um cliente que precisava falar com o tabelião, se dirigiu para o cunhado de Neto, que é branco e está entre os empregados do cartório. O cliente não disfarçou a surpresa quando este o encaminhou para um negro.

Giovanni Harvey, ex-diretor de uma rede de combustíveis, ex-dono de corretora de seguros e que hoje comanda a Incubadora Afro-Brasileira, nem sabe precisar quantas vezes usou o sobrenome para fechar, por telefone, negócios que não se concretizariam se o cliente o conhecesse pessoalmente:

¿ Tenho convicção de que o tratamento seria diferente. Basta ver a expressão de surpresa das pessoas, quando descobrem que o sujeito com prenome italiano e sobrenome inglês é um negro brasileiro.

Formado em administração, Márcio Ressol, montou há 14 anos a Novezala, empresa da área de recursos humanos. Hoje, emprega 110 funcionários fixos, mas o número chega a 1.500 incluindo os terceirizados e temporários. Ressol é um empresário bem sucedido e afirma que nunca foi discriminado no exercício profissional. Só lembra de um episódio social: foi tratado como motorista quando tentava estacionar com um manobrista.

¿ Nunca aceitei aquela tradicional frase ¿isso não é para você¿. Se sofri discriminação, não percebi. Muito do que acontece tem a ver com a falta de formação e com a própria posição da família em delimitar atividades. Os negros têm que refletir e ir à luta ¿ diz.