Título: O domingo do PT
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 18/09/2005, O Globo, p. 2

A eleição direta da nova direção do PT, no dia de hoje, deve mostrar de que tamanho ficou o partido depois de sua tragédia ética e o rumo político que tomará. Mais do que o nome do novo presidente, entretanto, será determinante o peso de cada tendência na composição do novo diretório nacional. São 84 lugares preenchidos segundo a proporcionalidade dos votos obtidos.

Nada indica, entretanto, que o resultado da disputa vá tirar o partido de suas crise e dar-lhe um rumo claro. Não há dúvida de que o PT encolheu em sua dimensão orgânica e deve sofrer também um encolhimento eleitoral. De seu tamanho falará a participação dos filiados e militantes neste PED, processo de eleição direta, que muitos tentaram adiar, apontando como insana uma disputa interna quando já são tantos os problemas trazidos por um escândalo tão chocante, interna e externamente, exatamente porque revela práticas que são a própria negação do ideário petista. Tentativas vãs, inclusive a do presidente Lula. Estimou-se inicialmente um comparecimento frustrante, mas a disputa, nesta reta final, produziu alguma mobilização. Já se espera um comparecimento maior mas certamente muito inferior ao do total de militantes filiados, 830 mil. O comparecimento determinará a correlação de forças.

O antes poderoso Campo Majoritário tem máquina de mobilização mas perdeu o discurso e o rumo. Alguns dos seus oscilam entre o autismo e a luta pela sobrevivência no aparelho. Os grupos de esquerda têm um discurso insuficiente para tirar de casa o militante desencantado, que nos últimos cem dias ouviu ofensas, passou vexames e tirou a camiseta vermelha: o de que basta derrotar a antiga maioria e tudo se resolverá num passe de mágica, a pureza voltará ao partido.

O nome do novo presidente dificilmente será conhecido hoje. O mais provável é que haja um segundo turno no dia 9 de outubro entre os dois candidatos mais votados. Mas como diz o deputado Chico Alencar, a decisão que conta é a de hoje. O novo presidente, apesar da projeção e visibilidade do cargo, será um em 84 votos nas deliberações do diretório nacional.

¿ Se o Campo Majoritário e suas chapas aliadas mantiverem a hegemonia, não adianta Plínio, Pont ou Pomar irem para o segundo turno contra Berzoini. Podem ganhar mas ficarão na situação de Tarso Genro, perdendo todas. E o PT, neste caso, continuará em plano inclinado de desconstituição, uma sigla eleitoral, ¿peemedebizada¿, com alguma simpatia e figurões com voto de massa, mas sem a mística mudancista que nos caracterizou.

É difícil entretanto prever o quanto pode ter se enfraquecido o Campo Majoritário, sob cuja direção Delúbio terceirizou as finanças do partido a Marcos Valério em busca de recursos para remunerar as alianças que a esquerda partidária sempre renegou. Este desastre entretanto não quer dizer que esquerda esteve sempre certa. Partidos que rejeitam alianças e tentam viver apenas do dízimo militante e da venda de brindes, no sistema eletoral que temos, jamais chegarão ao poder. Não poderia ter ocorrido o relaxamento moral na busca de uma coisa e outra ¿ alianças e recursos.

O que esperar do PED? Talvez muito pouco. A atual maioria continua achando a esquerda (dividida entre tantas chapas e candidatos) incapaz de oferecer uma saída. Esta acha que os outros não têm a menor condição para continuar dirigindo o partido. Não se formando um novo campo hegemônico, a lógica das tendências e da disputa interna se aprofundará. Uma eventual vitória do Campo Majoritário pode levar a um êxodo, sabe-se lá de que tamanho, talvez rumo ao PSOL da senadora Heloisa Helena. O prazo de refiliação partidária termina no próximo dia 30.

Já uma eventual vitória da esquerda dará lugar a ataques violentos à política econômica do governo. Apenas dois dos candidatos, Berzoini, do Campo Majoritário, e com menos entusiasmo, Maria do Rosário, do Movimento PT, defendem as conquistas de Palocci. Os demais pedem mudanças, mais ou menos radicais, embora defendam a reeleição de Lula. Apontam sobretudo o peso insustentável dos gastos com os juros da dívida, sugerindo um enfrentamento à Argentina, que pagou caro mas agora está crescendo muito mais que o Brasil.

Descrente da eficácia do PED, um fundador do PT, o vereador de Belo Horizonte Antonio Carlos Pereira Ramos, o Carlão, pediu desfiliação da chapa do Campo Majoritário dizendo em sua carta:

¿ Bom seria se o PED fosse capaz de reunir os melhores entre nós, fora da lógica de tendências que hoje nada mais são que meros condomínios de poder, sem qualquer ideologia. Mas não. Alguns querem fazer o ajuste de contas, como se a derrota da atual maioria pudesse redimir todos os pecados.

Passado o PED, ainda haverá muita purgação.