Título: O TSE ENDURECE
Autor: Merval Pereira
Fonte: O Globo, 18/09/2005, O País, p. 4

O Tribunal Superior Eleitoral está se defrontando com uma série de questões que nunca foram objeto de atenção de sua estrutura de fiscalização, que na verdade sempre foi muito precária. Agora, diante dos escândalos envolvendo partidos e políticos nas eleições, está sendo montada uma estrutura verdadeira, com o apoio da Receita Federal e de auditores do Tribunal de Contas da União.

O ministro Carlos Velloso, presidente do TSE, admitindo que ¿a crise tem esse sentido de depurar¿, já fez o mea-culpa da instituição. Candidamente, diz que os partidos ¿até então eram confiáveis, especialmente os grandes partidos. Os partidos ideológicos não eram supostos de fazerem isso, não são legendas de aluguel¿.

Como sempre consideraram que ¿os partidos são instituições que merecem respeito, porque a democracia se exerce através deles¿, os ministros da Justiça Eleitoral aprovavam as contas com ressalvas, esperando que pequenas irregularidades viessem a ser corrigidas. Havia muito disso, lembra Velloso: o líder partidário procurava a Justiça Eleitoral para dizer que não tinha condições de cumprir rigorosamente a lei no interior, ¿e a gente ia condescendendo, compreendendo as dificuldades dos partidos pequenos, principalmente no interior¿.

Daqui para a frente, diz o ministro Carlos Velloso, ¿não há como aprovar as contas com ressalvas¿. É nesse ambiente em que a Justiça Eleitoral está decidida a endurecer que o PT enfrentará diversos processos iniciados pelos partidos de oposição e pelo Ministério Público. Quando o ex-tesoureiro do PT admitiu o uso de caixa dois nas eleições de 2002 e 2004, o PFL pediu o cancelamento do registro do partido. Também PFL e PSDB solicitaram à Justiça Eleitoral o cancelamento dos repasses do Fundo Partidário ao PT. No primeiro semestre deste ano, o PT recebeu cerca de R$11 milhões em recursos públicos do fundo, e no ano passado, sua cota foi para R$24,9 milhões.

Ele foi usado para pagar passagens aéreas dos filhos do presidente Luiz Inácio da Silva, das acompanhantes deles e da filha do ministro da Fazenda, Antonio Palocci. O PT pagou ainda passagens aéreas também para viagens internacionais do marido da ex-prefeita Marta Suplicy, Luís Favre, para o então tesoureiro do partido Delúbio Soares, em fevereiro de 2004, e para a mulher do então presidente do PT, José Genoino, Rioco Kayano.

Quando o publicitário Duda Mendonça, responsável pelas campanhas do presidente Lula, admitiu na CPI dos Correios ter recebido R$10 milhões do empresário Marcos Valério na conta da Dusseldorf, uma offshore aberta por ele, no Bank Boston em Miami, novamente o pedido de cancelamento do registro do PT foi pedido pela oposição. A possibilidade de perda do registro é real, e a suspensão do fundo partidário também, embora sejam questões que não têm consenso no TSE.

Se as contas não forem aprovadas, a conseqüência natural é perder o fundo partidário. Pagar as passagens dos filhos de Lula, por exemplo, é um assunto polêmico lá dentro. Há quem sustente que é irregular, mas outros entendem que não. Por incrível que pareça, a argumentação de Lula, que tantos protestos provocou, de que o partido tinha mesmo que pagar as passagens de sua família, e o estranho seria que outro partido pagasse, encontra eco entre ministros do TSE.

Mais perigo corre o PT de ter cassado seu registro partidário, pois a lei dos partidos políticos diz que o partido pode perder seu registro ¿se não prestar as devidas contas¿ à Justiça Eleitoral. O presidente do TSE, ministro Carlos Velloso, interpreta ¿com rigor¿ essa expressão, embora ressalte que é uma posição pessoal. ¿O partido que faz uma declaração falsa à Justiça Eleitoral, dizendo que gastou tanto, e usou caixa dois na campanha, na minha opinião não prestou devidas contas¿, diz ele.

Nesse caso, ¿se justifica uma interpretação mais rigorosa para partido que confessa ter usado uma falsidade, ter apresentado documentos falsos à Justiça Eleitoral¿. Velloso ressalta, porém, que há quem interprete que a perda do registro só acontece quando o partido não presta conta nenhuma.

Outro caso polêmico é o do dinheiro de procedência estrangeira, que leva à cassação do registro. O ministro Carlos Velloso acha que não basta ficar provado que o PT tem uma conta no exterior, para cassar seu registro, ¿pois o dinheiro pode ser brasileiro¿. A finalidade da norma, esclarece Velloso, ¿é impedir a contribuição oriunda do estrangeiro¿.

Isso quer dizer que se ficar provado que o governo de Taiwan deu mesmo dinheiro para a campanha do PT, como acusou a ex-mulher do deputado Valdemar Costa Neto, ou que dinheiro oriundo das Farc ou da Líbia financiou a campanha eleitoral do PT, seria o caso de perda de registro.

Nesse caso, porém, a crise política seria muito maior, pois o próprio mandato do presidente Lula ficaria em xeque. Por isso a oposição conseguiu aprovar na CPI dos Correios a contratação de auditores externos para rastrear as contas ligadas ao PT no exterior. Mas, aqui também, há os ministros que defendem uma interpretação mais rigorosa: basta que o dinheiro venha do estrangeiro, não se indagando se sua origem é brasileira. E mesmo que seja brasileiro, certamente esse dinheiro que financia o caixa dois do partido é ilegal, o que representaria duas infrações contra a legislação eleitoral