Título: RELEGADOS AO FIM DA FILA
Autor: Taís Mendes
Fonte: O Globo, 18/09/2005, Rio, p. 18

Doentes do SUS perdem espaço em hospitais públicos para pacientes de planos de saúde

Pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS) estão perdendo espaço para conveniados dentro de hospitais públicos do Rio. Fundações criadas por grupos de médicos no fim da década de 80 para agilizar a administração das unidades fugiram de seus objetivos, ganharam autonomia e hoje são alvos de denúncias e inquéritos em andamento no Ministério Público estadual e na Procuradoria da República, que determinou a suspensão imediata do atendimento a usuários de planos de saúde nas unidades pública federais.

No Hospital Pedro Ernesto, da Uerj, quem está em tratamento pelo SUS aguarda em média um ano por uma cirurgia cardíaca, por exemplo. Já quem tem plano de saúde aceito pela Fundação Cardiovascular Pedro Ernesto (Funcape) faz a operação no prazo máximo de um mês, nas dependências do hospital. No Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (Fundão), da UFRJ, a média de espera de um paciente do SUS por uma cirurgia é de seis meses. Os conveniados conseguem marcar a operação em no máximo duas semanas.

No Pedro Ernesto, na semana passada, pacientes do SUS que chegavam para marcar um ecocardiograma eram informados de que o equipamento está quebrado há três meses e que não há previsão de conserto. Dois pavimentos abaixo, na portaria principal, onde funciona o atendimento da Funcape, o exame pode ser marcado no prazo máximo de duas semanas, na própria unidade. Vaga para fazer teste ergométrico pelo SUS, só ano que vem. Pela Funcape, o exame pode ser feito a partir da segunda quinzena de outubro.

¿ O hospital deixa de atender pacientes do SUS para atender os coveniados. A discriminação começa na marcação de exames e vai até a internação: pacientes conveniados ficam em quartos particulares, enquanto os dos SUS dividem uma enfermaria ¿ destaca Mauro Esteves, funcionário do Pedro Ernesto e diretor do Sindicato das Universidades Públicas do Estado do Rio (Sintuperj).

Conveniados têm quartos equipados

A área reservada aos pacientes com convênio fica no sexto andar do Pedro Ernesto, bem ao lado da enfermaria que atende os doentes do SUS. A diferença á gritante: de um lado, sete quartos confortáveis, com televisão e frigobar. Nas enfermarias, são cerca de sete leitos enfileirados e uma só televisão:

¿ Atendimento de convênios em hospitais públicos não tem respaldo legal porque fere o regulamento do SUS, que prevê, entre seus princípios, a eqüidade ¿ critica Jorge Darze, presidente do Sindicato dos Médicos do Rio. ¿ As fundações deveriam ser um apoio administrativo, mas ao longo dos anos ganharam autonomia maior do que as próprias direções das unidades a que estão vinculadas.

Na sexta-feira passada, mãe e filha amanheceram no Pedro Ernesto para tentar uma consulta no setor de pronto atendimento. As seis horas de espera foram em vão. Ana Beatriz Menezes Rios, de 30 anos, deixou o hospital com a mãe, Maria do Perpétuo Socorro, de 59, que sofria de fortes dores provocadas por cálculos na vesícula e líquido no abdome.

¿ A médica examinou a minha mãe e disse que ela precisa ser internada. Mas não tem vaga. Entramos numa fila que tem dez pessoas na frente. Não sei mais o que fazer ¿ contou Ana.

A Funcape, segundo o direção do hospital, contribui com cerca de 70% do custo dos transplantes realizados na unidade. Ainda segundo a direção, o atendimento do SUS tem um limite e não pode ser ampliado. Esse também é o argumento da direção do Hospital Clementino Fraga Filho (Fundão). No hospital da UFRJ, o atendimento a convênios não inclui exames, mas abrange todas as especialidades cirurgicas. A Fundação Universitária José Bonifácio, criada nos anos 80, administra toda a verba da universidade, incluindo a do hospital, do qual cobra uma taxa de 4% de administração dos recursos dos convênios. Não há fila para cirurgias realizadas por intermédio da fundação, que mantém no hospital dois leitos no CTI e um posto próprio para convênios.

A Fundação Universitária José Bonifácio, no entanto, está com os dias contados. Embora a determinação do Ministério Público federal de suspender os atendimentos de clientes de planos de saúde em detrimento de usuários do SUS não inclua o hospital do Fundão, o Ministérios da Educação já estuda uma forma de acabar com a fundação. Segundo William Campos, representante do ministério no Rio, o projeto de reforma universitária, em tramitação no congresso, propõe que os reitores passem a ter a gestão financeira das universidades e dos hospitais:

¿ As fundações ajudaram durante um período na captação de recursos, mas foram se tornando mais fortes que as instituições e acabaram terceirizando serviços e privatizando o espaço público. Elas se transformaram num corpo estranho porque extrapolaram o seu papel inicial. A reforma universitária pretende fazer um controle progressivo até o fechamento das fundações ¿ explica.

A decisão da Procuradoria da República de acabar com o atendimento de pacientes conveniados em unidades públicas foi tomada após uma série de denúncias. E é apenas uma das muitas recomendações feitas pela procuradora Lisiane Braecher. Num documento, ela recomenda também o fim das contratações feitas por essas instituições, entre elas a Fundação de Apoio à Saúde e Ensino Bonsucesso, do Hospital Geral de Bonsucesso (HGB). Criada para ajudar a captar verba para a unidade de saúde, a fundação transformou-se num desafio para a nova direção do HGB. Segundo o médico Júlio Noronha, assessor da direção, o contrato entre o hospital e a fundação está vencido desde fevereiro. No entanto, esse não é o maior problema:

¿ Essa fundação sobrevive quase que 100% com dinheiro público e transformou-se num cabide de emprego, contratando profissionais com salários de até R$7 mil, em vez de realizar um concurso público.

Segundo o médico, a fundação deveria captar recursos privados para programas de transplante, mas atualmente recebe verba do Ministério da Saúde, por intermédio da Secretaria estadual de Saúde:

¿ Em julho, o repasse foi de R$1,4 milhão, como reconhecimento de dívidas, apesar do fim do contrato ¿ diz Noronha.