Título: NAS ESCOLAS TÉCNICAS, A AULA É DE SOBREVIVÊNCIA
Autor: Ruben Berta
Fonte: O Globo, 18/09/2005, Rio, p. 29

Sem investimento da Faetec em obras, colégios estaduais de ensino médio profissionalizante vivem à beira do caos

As imagens são bem parecidas: carteiras e mesas velhas amontoadas, restos de equipamentos quebrados. Na Escola Técnica Visconde de Mauá, em Marechal Hermes, o depósito de sucata ocupa o lugar onde teria de funcionar uma quadra coberta de esportes; na Henrique Lage, em Niterói, é o galpão onde funcionaria o laboratório de estruturas navais que serve como quarto de despejo. Retratos das escolas técnicas estaduais comprovados em números: de acordo com levantamento do deputado Alessandro Molon (PT) no Sistema de Acompanhamento Financeiro (Siafen) do estado, de R$4,3 milhões previstos em orçamento este ano para obras e instalações nos colégios de ensino profissionalizante, até a semana passada, a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec) não teria gastado um real.

Durante as últimas duas semanas, sem se identificar, repórteres do GLOBO estiveram em dez escolas de ensino médio profissionalizante da Faetec, órgão subordinado à Secretaria estadual de Ciência e Tecnologia. Ao todo, segundo dados do site da fundação na internet, 18.660 alunos foram matriculados nessas unidades em 2004. O quadro encontrado foi praticamente o mesmo em todos os colégios: falta desde papel higiênico nos banheiros a fusíveis no laboratório de eletrônica, passando por ventiladores e até apagadores nos quadros-negros.

Em Quintino, professora compra até cebola

Sem verbas, a situação só não é pior nas dez escolas graças a doações de alunos e professores. Na Escola Técnica República, em Quintino, maior da rede, com mais de 2.600 alunos, por exemplo, a professora Edna Ferreira conta que só consegue fazer as experiências básicas no laboratório de biologia se apelar para a geladeira de casa:

¿ Se eu tiver de usar uma batata, uma cebola para uma experiência, só mesmo trazendo ou pedindo aos alunos. A mesma coisa vale para o álcool e o algodão. Não temos microscópio, pipetas, tubos de ensaio.

Na Escola Visconde de Mauá, em Marechal Hermes, o instrutor do curso de produção mecânica Augusto José Machado fará uma campanha para arrecadar alumínio para as aulas. Mas as doações não serão suficientes para fazer funcionar máquinas como a retífica de interiores, da década de 70, considerada por ele uma jóia sem manutenção:

¿ A Visconde de Mauá tinha tudo para ser a melhor escola técnica da América Latina. Era só termos o básico de insumos, manutenção e mais espaço para os laboratórios.

De acordo com a Associação dos Profissionais de Ensino da Faetec (ApeFaetec), a Visconde de Mauá só teria recebido R$2 mil em 2005 para a compra de insumos e manutenção de equipamentos. Já a Escola João Luiz do Nascimento, em Nova Iguaçu, segundo a entidade, não recebeu um real sequer. Ventiladores para as 12 salas de aulas foram comprados com doações conseguidas pelos alunos e docentes, que ainda colaboraram com material para uma reforma parcial do auditório. Os alunos de administração e edificação estão há pelo menos seis anos sem laboratório.

Mas perto da Henrique Lage, em Niterói, a Visconde de Mauá e a João Luiz do Nascimento podem ser até consideradas exemplos. Não bastasse o galpão projetado para o laboratório de estruturas navais ter se transformado num depósito, as dependências da escola beiram o caos. O campo de futebol está interditado há pelo menos três meses por causa da queda de uma grade; no banheiro masculino não há portas nem papel higiênico. Nas salas de aulas, há fiações expostas. Numa divisória entre duas delas, há um buraco de quase um metro de diâmetro.

¿ Quando chove então fica praticamente impossível ter aula em algumas salas por causa das janelas quebradas e infiltrações ¿ reclama o presidente do grêmio, Leandro Guimarães.

Na Escola Santa Cruz, a situação também é crítica e ganha ares de problema de segurança. No mês passado, a escada que leva ao segundo andar desabou ferindo levemente duas alunas. Um ventilador de teto desabou durante uma aula e, desde então, todos foram retirados. Nos últimos dois meses, pelo menos cinco bombas caseiras foram colocadas nos banheiros que agora têm inspetor nas portas.

Apesar de tantos problemas, a falta de verbas para obras e instalações da Faetec segue ladeira abaixo, segundo os dados levantados por Alessandro Molon. Em 2003 e 2004, de uma dotação inicial de R$12 milhões, só foram gastos R$318 mil.

¿ Deixar que as escolas técnicas chegassem a esse ponto foi uma omissão inadmissível do estado ¿ critica Molon.

COLABOROU: Aloysio Balbi.

http://oglobo.globo.com/online/educacao/