Título: RICOS DEMORAM A AMPLIAR AJUDA E METAS DO MILÊNIO PERDEM O FÔLEGO
Autor: Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 18/09/2005, Economia, p. 32

Países prometeram 0,5% do PIB, mas relatório mostra que só doam 0,25%

A dez anos do fim do prazo estabelecido pelos 191 países-membros da ONU para proporcionar um padrão mínimo de qualidade de vida a seus habitantes ¿ cumprindo as chamadas Metas do Milênio, de combate à pobreza e promoção do desenvolvimento ¿ as promessas de ajuda das nações ricas estão longe de se concretizar. E, cada vez mais, os esforços se concentram em objetivos menos ambiciosos, frente aos parcos avanços obtidos desde 2000. Essas são as principais conclusões do relatório ¿Pobreza e fome no cenário internacional: um panorama do debate¿, coordenado por Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, para a ActionAid, uma das ONGs mais atuantes do mundo.

Lena Lavinas e sua equipe esquadrinharam dezenas de estudos recentes sobre o tema. E constataram que, à fartura de diagnósticos, opõe-se uma escassez de ações. Enquanto os países ricos propalam sua recente promessa de ampliar para US$50 bilhões a ajuda anual à África até 2010, o relatório lembra que o compromisso, firmado no último encontro do G-8 (grupo das nações industrializadas) em Gleneagles, na Escócia, está aquém do acertado em 2002, na Cúpula de Monterrey. Naquela época, os ricos prometeram ajudar com 0,7% de seus PIBs (Produto Interno Bruto, somas das riquezas nacionais) entre 2013 e 2015. Em Gleneagles, em julho passado, disseram que ampliariam suas doações para 0,5% do PIB até 2010. Mas hoje só contribuem, em média, com 0,25% do PIB.

Foco agora é no emergencial: a África Subsaariana

Na Cúpula Mundial da ONU deste ano, encerrada anteontem, não houve avanços no tema da ajuda humanitária. Assim, o ano de 2005, quando se esperava fazer uma avaliação do cumprimento das Metas do Milênio, deve encerrar com uma redução no escopo do debate que, daqui para frente, tende a se concentrar apenas no flagelo da África Subsaariana, a questão mais emergencial, acredita Lena Lavinas.

¿ E mesmo com o foco na África, falta criar um mecanismo sólido e contínuo para financiar a ajuda humanitária. Discutiram-se muitas alternativas, como a emissão de bônus ou a taxação de passagens internacionais, que começará a ser testada de forma experimental por países como a França. Mas o horizonte ainda é muito fragmentado e incerto frente aos desafios que se apresentam ¿ afirma a pesquisadora.

As Metas do Milênio, diz Lena, foram um avanço ao estabelecer um patamar mínimo para qualidade de vida. Mas traziam uma agenda inadequada para a grande maioria dos países da América Latina e muitos da Ásia, justamente por tratar de temas muito básicos.

¿ Em países como o Brasil, as metas seriam alcançadas mesmo sem mobilização adicional, só devido à dinâmica inercial da economia. Do mesmo modo, na África Subsaariana, já se sabia que as metas dificilmente seriam atingidas frente ao impasse no financiamento ao desenvolvimento.

O consenso no diagnóstico de que é preciso ampliar a ajuda humanitária, completa Lena, não encontra respaldo num acordo internacional sobre como viabilizar uma fonte de financiamento. Durante toda a década de 90, o total doado por países ricos se estabilizou no patamar entre US$50 bilhões e US$60 bilhões. Apenas em 2003 a ajuda superou a marca dos US$60 bilhões, alcançada em 1992. Em 2004, chegou a US$78,57 bilhões. Mas o relatório mostra que, mesmo se cumprida a promessa feita em Gleneagles de ampliar em US$50 bilhões esses recursos, sua soma apenas se igualaria, em termos de percentual do PIB, ao patamar de 1990.

O último Relatório de Desenvolvimento Humano da ONU mostrou um quadro dramático na África Subsaariana, onde 12 países regrediram em seus indicadores de qualidade de vida desde 1990. Lena cita a estatística de que há 70 mil doutores africanos nos EUA ¿ uma fuga de cérebros que mostra a incapacidade do continente em gerar e reter desenvolvimento.

Gastos com Katrina podem dificultar ajuda à África

Os US$50 bilhões a mais em ajuda humanitária necessária à África Subsaariana, acrescenta a economista, se aproximam dos US$55 bilhões que os EUA gastarão, este ano, com os chamados capacetes azuis (tropas de paz da ONU) só na região.

Ela lembra que as últimas estimativas são de que os americanos gastarão até US$300 bilhões para reparar os estragos feitos pelo furacão Katrina, o que dificultará ainda mais os compromissos com a África.

¿ O triste é que com tantas catástrofes recentes, como o Katrina ou o Tsunami, o mundo não aprende e não consegue reduzir a pobreza e a desigualdade ¿ lamenta.