Título: UM PESSOAL QUE SÓ PENSA EM 2006
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 19/09/2005, O País, p. 4

Há ocasiões em que o Congresso tem que deixar de ser o somatório de mesquinharias diversas e interesses setoriais para agir como instituição. A atual crise não é a primeira e não será a última. Mas a Câmara parece não perceber que chegou a um desses momentos e brinca com a sorte.

Não fosse assim, seus líderes já estariam trabalhando num acordo em torno de um nome acima do bem e do mal para substituir o presidente Severino Cavalcanti.

Não há um só deputado que não admita que a receita para sair da crise passa, obrigatoriamente, pela eleição de um presidente que não tenha nem o carimbo do Planalto e nem o da oposição. Alguém que não chegará lá com o objetivo de fazer andar um pedido de impeachment contra o presidente da República ¿ mas que também não deixará de fazê-lo se algum dia circunstâncias e provas assim o exigirem. Enfim, um sujeito que, na definição de colegas, tem que ter perfil de ¿sopa de UTI¿: sem muito sal nem tempero, mas incapaz de fazer mal.

A Câmara tem nomes com essas características nos principais partidos. Seriam digeridos com facilidade pelo plenário, sem disputa no voto. Poderiam dar os primeiros passos na mudança para resgatar a imagem da Casa. Mas podem acabar nem sendo apresentados.

A briga de foice que começou mesmo antes da renúncia de Severino Cavalcanti ameaça botar a perder uma rara oportunidade de reparar erros e recuperar a instituição. A um ano das eleições, a lógica que vem se sobrepondo à necessidade de resposta à crise é a de 2006. Deputados, partidos, oposição, governo, todos jogam com interesses ocultos:

A oposição percebeu que Lula não está morto para 2006 e não vai facilitar as coisas para o PT ¿ É obviamente um pretexto o argumento do PFL e do PSDB de que a vaga não pode mais ser ocupada por um petista porque o PT não assinou logo o pedido de cassação de Severino. Não se viu do Planalto, até agora, gesto concreto para salvar Severino ¿ que, inclusive, anda reclamando disso. Mas os oposicionistas, juntando aí PPS, PV e PDT, não querem no comando da Câmara um petista que facilite a vida do Executivo. Afinal, Lula parece ter saído da linha de tiro das investigações, a economia exibe números melhores e os juros estão começando a baixar. Apesar do desgaste em sua popularidade, o presidente pode ser candidato à reeleição, e com chances.

O PT autista e autofágico ¿ Sempre há um jeito de piorar a situação, mesmo quando ela já é difícil. Esse parece ser o lema do PT, onde a turma foi acometida pela amnésia e ameaça repetir a divisão de fevereiro passado. Os próprios companheiros espalharam que haveria restrições aos nomes petistas mais palatáveis à oposição: Paulo Delgado, José Eduardo Cardozo e Sigmaringa Seixas. Outros entram no páreo. Se não tomarem juízo, não levam mesmo. Se tomar, o PT fecha questão em torno de um desses três e vai em frente. Fica difícil para a oposição vetá-los: nenhum deles é ligado ao Campo Majoritário ou ao Palácio do Planalto, têm biografias acima de qualquer suspeita.

O PSDB não bota azeitona na empada do PFL para 2006 ¿ Aparentemente, o tucanato nada tem contra o pefelista José Thomaz Nonô, primeiro-vice-presidente da Câmara e candidato do PFL. No fundo, porém, o PSDB não quer dar colher de chá aos pefelistas, que se passarem a controlar a Câmara tenderão a crescer como oposição aguerrida para 2006. E os tucanos querem ter o PFL a reboque, sem candidato e como companheiro na chapa presidencial. Por isso, o líder da minoria, José Carlos Aleluia, também não tem muita chance. Se houver disputa, os tucanos apresentarão Jutahy Junior. Mas, nos bastidores, alimentam a articulação maquiavélica de fazer um peemedebista tipo Michel Temer ou Osmar Serraglio.

E o PFL quer tomar a dianteira da oposição ¿ Nonô já está em campanha. Tem boa imagem, apoios diversos, mas carimbo oposicionista. Sofre veto, ainda que não explícito, do Planalto ¿ que não faz sozinho o presidente da Câmara, mas tem poder de fogo para atrapalhar.

Mas quem acaba se dando bem é o velho PMDB ¿ Como nem oposição nem governo têm maioria para eleger ninguém, o PMDB engorda a bancada e pleiteia a vaga. Um jogo que interessa à oposição porque beneficia o PMDB rebelde ao Planalto. Lula, por seu lado, fica de mãos atadas: não pode vetar explicitamente um peemedebista, sob o risco de ser abandonado pelo partido. Situação que deixa o PMDB exatamente onde deseja estar: no fiel da balança, tanto hoje quanto em 2006.