Título: EXPECTATIVA FALSA
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Fonte: O Globo, 19/09/2005, Opinião, p. 6

OBrasil vai parar em outubro para votar em um plebiscito sobre a proibição do comércio de armas. É um equívoco do tamanho do país: a decisão terá pouquíssimo impacto na redução da violência ou da criminalidade; e gasta-se um instrumento fundamental da democracia ¿ o referendo ¿ para discutir um tema superado pelo próprio Estatuto; e, infelizmente, é empobrecido o debate já que os holofotes da mídia atraem falsos especialistas com argumentos inconsistentes.

Exemplo deste efeito colateral do plebiscito é o artigo do deputado Rodrigo Maia, que jamais se destacou por sua atenção ao tema, publicado no GLOBO. É preciso frisar a falta de base de sua argumentação. Afirma o deputado: ¿Das 8 mil mortes violentas por ano no Estado do Rio de Janeiro se supusermos que 50% estão relacionados ao crime organizado, deduzimos que 4 mil estão relacionadas a causas fúteis e, provavelmente metade dessas com armas.¿ Supusermos? Deduzimos? Provavelmente? O Brasil não pode avançar no debate com suposições, deduções e probabilidades.

De acordo com dados do Datasus, no ano de 2002, particularmente violento no nosso estado, ocorreram 9.455 homicídios, 75,6% cometidos com armas de fogo. Outro estudo, da ONU, mostra que a maioria dos homicídios no Brasil está relacionada ao tráfico de drogas. No Rio de Janeiro, de acordo com estudiosos, mais de 60% dos assassinatos têm origem no crime organizado. Ou seja, apesar do índice de mortes por armas de fogo ser mais alarmante até do que supõe o deputado, apenas parte desses crimes de morte tem causas fúteis, ao contrário de sua dedução. Em todo o Brasil, são vendidas legalmente, nas lojas, não mais de 30 mil armas de fogo por ano. No Rio de Janeiro, não há mais lojas de venda de armas e nem por isso houve significativa redução no número de homicídios.

HUGO LEAL é secretário de Justiça e Direitos do Cidadão do Estado do Rio.