Título: EXEMPLOS
Autor: DENIS LERRER ROSENFIELD
Fonte: O Globo, 19/09/2005, O Globo, p. 7

Exemplos são fundamentais na vida política, pois exibem comportamentos que tendem a ser imitados por todos os cidadãos de um Estado. Se as ações de políticos apresentam um comprometimento com a coisa pública, o efeito produzido será o do fortalecimento das instituições democráticas. Se as ações forem de malversação de recursos públicos pelas mais distintas formas de corrupção, o seu efeito será desagregador do ponto de vista social, contribuindo decisivamente para o desmonte da coisa pública. A moralização da vida pública depende do aprendizado que se faça dos ¿bons¿ e ¿maus¿ exemplos. É o que se denomina ética na política.

Imaginem uma pessoa desfavorecida socialmente, vendo na televisão os desmandos do PT/governo, com altos dirigentes partidários e governamentais expondo como se apropriavam de recursos que se originam provavelmente do bolso dos contribuintes. Cidadãos desse país comem pouco e se vestem pior ainda, mas contemplam pela televisãomilhões de reais que são utilizados indevidamente por partidos e políticos que usufruem privadamente de um dinheiro que deveria ser de todos. O que é, então, apresentado à Nação se os autores de tais atos não são condenados e punidos?

O mesmo se pode dizer da prisão de Paulo Maluf e do ¿mensalinho¿ operado por Severino Cavalcanti. No primeiro caso, o exemplo oferecido até então era o da impunidade, numa velha tradição que se orientava pelas máximas ¿rouba mas faz¿ ou ¿é dando que se recebe¿. Enquanto essas máximas eram eficazes ¿ os indivíduos que as defendiam sendo mesmo eleitos ¿ qualquer consolidação da cena pública ficava prejudicada.

No momento em que um dos seus representantes é posto atrás das grades, é todo um mundo que muda, pois os poderosos passam também a ser responsáveis por suas ações aos olhos de todos. No segundo caso, Severino não é um parlamentar qualquer, mas o presidente da Câmara dos Deputados. Logo, o seu comportamento tem um alcance ainda maior, pois é a própria instituição parlamentar que entra em linha de consideração. Quando provas testemunhais e documentais mostram a sua corrupção via extorsão de um empresário, o exemplo oferecido à nação é o pior possível, pois é como se os políticos ocupassem cargos públicos apenas em benefício próprio. Se os autores de tais atos não forem punidos, valerá a máxima ¿o crime compensa¿.

Convém, porém, distinguir esses tipos de corrupção, pois uma coisa é a corrupção ¿leninista¿, representada pela captura do aparelho de Estado pelo PT, com o desvio subseqüente de recursos públicos para o fortalecimento do partido. Trata-se de algo novo na política brasileira, embora, em nível mundial, outras sociedades tenham feito no passado ¿ ou no presente ¿ essa experiência, como Cuba, a ex-União Soviética, China e Albânia. A outra, corresponde à velha tradição patrimonialista brasileira de apropriação privada de recursos públicos ou de extorsão de empresários, no caso representados por Maluf e Severino. Assinalemos, ainda, que, no nível parlamentar, a experiência de ter o Brasil na presidência da Câmara um representante genuíno do baixo clero mostra como benefícios são extorquidos por quem usufrui de uma posição de poder.

No entanto, não há por que desesperar por tal situação, pois o mero fato de tais formas de corrupção estarem sendo exibidas simultaneamente é, por si só, uma demonstração de como a sociedade brasileira está fazendo um aprendizado de si mesma. Que a corrupção apareça é da máxima importância para a formação da opinião pública. Não é a mesma coisa uma corrupção que permanece escondida e uma que surge à luz pública. A diferença essencial reside em que a segunda, ao confirmar a existência da primeira, permite um aprendizado da sociedade por ela mesma. Esta faz a experiência moral do que é e do que deveria ser a vida política, sinalizando que ela pode ser de uma forma diferente.

Logo, torna-se necessário que os parlamentares ajam em consonância com uma opinião pública que exige exemplos. Se a punição ficar restrita a Roberto Jefferson, que teve o mérito de mostrar o modo petista de governar, a democracia brasileira sofrerá um duro revés. Se ela atingir os verdadeiros responsáveis, só teremos a comemorar.

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.