Título: MOEDA DE TROCA NA OMC
Autor: Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 19/09/2005, Economia, p. 15

Para derrubar barreiras agrícolas, Brasil terá que ceder em bens industrializados

Anão ser que a rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC) seja um fracasso total, o Brasil está num caminho sem volta e terá de abrir seu mercado para as importações de bens industrializados. Caso contrário, não obterá qualquer vantagem no grande acordo que está sendo costurado pelos 148 países associados ao organismo internacional. O grande objetivo do Brasil na chamada Rodada de Doha é ampliar o acesso das exportações agrícolas, hoje prejudicadas por barreiras tarifárias e não-tarifárias de forma geral aplicadas pelas nações mais ricas do mundo.

O tema é polêmico e isso ficou claro nas duas últimas semanas, quando o vazamento da proposta do Ministério da Fazenda ¿ que prevê a redução de 35% para 10,5% da alíquota máxima de importação consolidada na OMC ¿ provocou protestos entre o empresariado brasileiro e revelou que existem divergências dentro do próprio governo. A Fazenda tem a seu lado o Ministério da Agricultura que, em nome dos produtores rurais, quer derrubar as barreiras no setor em que o Brasil é mais competitivo. Já o Ministério do Desenvolvimento e o Itamaraty são mais cautelosos e não concordam com uma redução linear. É preciso uma negociação por setor.

Governo deve fechar proposta hoje

Hoje o quadro deve ficar mais claro, na reunião da Câmara de Comércio Exterior (Camex). Cada ministro que integra a Camex (Fazenda, Planejamento, Relações Exteriores, Agricultura, Desenvolvimento e Casa Civil) fará sua defesa. A idéia é fechar hoje mesmo uma proposta consensual, que será levada aos empresários, depois aos sócios do Mercosul e, em seguida, ao G-20 (grupo de países contrários aos subsídios agrícolas).

¿ Temos condições de jogar esse jogo, mas não abrimos mão de uma redução expressiva, substancial, nas tarifas agrícolas ¿ afirma o secretário-executivo da Camex, Mário Mugnaini.

O jogo será pesado e terá como fortes opositores os Estados Unidos, a União Européia e o Japão. Para Mugnaini, nas negociações envolvendo produtos industrializados, a tendência é a aplicação de regras diferentes para nações desenvolvidas e em desenvolvimento.

¿ A discussão já começou e vai até Hong Kong (onde ocorrerá uma reunião ministerial da OMC em dezembro) ¿ destaca o chefe do Departamento Econômico do Itamaraty, Piragibe Tarragô.

Ele acredita que setores como os de informática, eletroeletrônico, de bens de capital, automobilístico e de telecomunicações terão um cronograma de abertura mais longo. São áreas sensíveis, que podem não suportar uma abertura mais agressiva, como quer o ministro da Fazenda, Antonio Palocci.

¿ O prazo para a redução tarifária pode chegar a 15 anos ¿ observa o diplomata.

A grande questão, para o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro, é saber se, em contrapartida à redução das tarifas, o país estará mais bem preparado em sua infra-estrutura, para que o exportador brasileiro seja competitivo. Também são obstáculos os juros altos e o difícil acesso ao financiamento.

¿ Não estamos querendo proteção, muito menos para empresas ineficientes. Queremos saber o que vai ser feito da porta para fora da indústria ¿ afirma Monteiro.

Humberto Barbato, diretor de relações internacionais da Associação Brasileira de Eletroletrônicos (Abinee), admite que, no fim do processo negociador, o mais provável é que a tarifa máxima realmente caia. Mas ele afirma que o Brasil não pode abrir mão de ter uma margem de manobra, para poder aumentar temporariamente as alíquotas de acordo com sua política industrial.

Importação tem tarifa média de 14%

Para o economista Marcos Jank, do Instituto de Estudos de Comércio e Relações Internacionais (Icone), já passou da hora de o país abrir-se às importações:

¿ O Brasil se libertou do modelo de substituição de importações tarde demais, no fim da década de 90. E deixou de ganhar vantagens importantes, ao abrir unilateralmente seu mercado, sem pedir nada em troca, no governo Collor. A economia brasileira é bastante fechada e é preciso lembrar que, para ser um grande exportador, o país precisa ser também um grande importador.

Marcelo Nonnenberg, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), destaca que uma das razões para o ¿milagre chinês¿ foi a abertura comercial, que começou no fim dos anos 70. A tarifa média chinesa caiu de 50% em 1980 para 25% em meados dos anos 90 e para 12% em 2002. Mas ele reconhece que, no caso brasileiro, é imprescindível obter ganhos em agricultura:

¿ Os países industrializados têm alíquotas de importação muito baixas para manufaturados. E costumam ter picos tarifários para agrícolas.

Hoje, a tarifa média de importação do Brasil está em torno de 14%, mais alta do que a de países como Austrália (4,2%), Canadá (3,3%), Chile (6,9%), Japão (12%) e EUA (2,9%).

¿ Os determinantes da expansão econômica são o progresso técnico e os investimentos em capital físico e humano. O impacto da abertura sobre o crescimento, portanto, ocorre de forma indireta, na medida em que afeta cada um desses componentes ¿ diz Maurício Mesquita Moreira, do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).