Título: QUEM A CPI TRATA MELHOR
Autor: PAULO MOREIRA LEITE
Fonte: O Globo, 20/09/2005, Opinião, p. 7

O publicitário Duda Mendonça encantou a CPI dos Correios quando deu um depoimento voluntário, apresentando uma versão angelical para seus vencimentos e contas no exterior. Mesmo leões do parlamento, como o senador Pedro Simon, disseram-se convencidos de que ¿enfim apareceu alguém disposto a falar a verdade¿.

Comprova-se agora que o depoimento de Duda foi um bom espetáculo de marketing. Ao pagar R$4,3 milhões numa declaração retificadora, de quem admite que pagou menos do que deveria no prazo adequado, Duda humilha os parlamentares e recorda uma das mais antigas doenças da política brasileira.

Essa doença implica um tratamento preferencial para os ricos e poderosos, poupados de investigações mais duras e de acusações sérias. Se Duda teve direito a um carnaval cívico quando decidiu prestar seu depoimento, outros figurões do mundo privado sequer foram chamados a dar explicações. Está correto convocar o ex-ministro Luís Gushiken para dar explicações sobre contratos de publicidade e fundos de pensão. É justo ouvir os dirigentes dos Fundos de Pensão. Mas não se compreende a demora para o depoimento do empresário Daniel Dantas, que há anos trava uma luta pesada nos bastidores contra Gushiken e seus aliados nos fundos de pensão. A empreiteira GDK deu uma contribuição ao folclore do mensalão, presenteando o secretário geral Silvio Pereira com um Land Rover. Também não foi ouvida. Instituição número 1 do mensalão, pois era em seus guichês que os parlamentares recebiam pagamentos, o Banco Rural só foi ouvido quando o escândalo já havia ultrapassado o centésimo dia e o calor dos holofotes já não ardia tanto. Capaz de investir R$5 milhões numa empresa que tem um dos filhos do presidente da República como sócio, a Telemar também teve direito a um tratamento obsequioso.

Há quem diga que a atual safra de parlamentares é uma das piores da História, mas é preciso relativizar essa opinião, provavelmente verdadeira. Há erros de hoje que apenas reproduzem o comportamento do passado. Em 1992, quando investigava o esquema de Fernando Collor e PC Farias, a CPI dispensou aos grandes empresários esse mesmo tratamento respeitoso, como se fossem lordes que faziam o favor de dar algumas explicações à plebe. A maioria tinha pago U$2,5 milhões de propina, que era registrada na contabilidade das empresas de PC Farias como ¿consultoria¿. Todos foram ouvidos em clima de troca de gentilezas cívicas. Os empresários nada revelaram, os políticos pouco perguntaram e o deslumbramento foi geral. O resultado é conhecido.

Para decepção de quem imaginava que o impeachment de Fernando Collor poderia abrir uma era de moralização dos costumes políticos, cabe notar que o saldo efetivo é magérrimo. Embora freqüente as páginas policiais do noticiário político há mais de 30 anos, foi depois do impeachment que Paulo Maluf montou o Fator K, aquele que lhe permitiu enviar ao exterior uma bolada aproximada de meio bilhão de dólares. Também foi nessa época que nasceram as malandragens bilionárias com as contas CC-5, alvo de uma CPI que terminou em ambiente de tanta confusão e sujeira que se concluiu que era melhor não punir ninguém. Na campanha presidencial de 1994 começou a compra do PT, beneficiado por cheques polpudos de empresários que haviam sentado nos bancos da CPI. Dez anos depois, o esquema Delúbio-Marcos Valério exibia-se pelo país como um poder paralelo.

O país acumulou tantos escândalos em tempos recentes que hoje em dia se aprendem lições de ética nos bancos de escola e isso é muito bom. Cabe lembrar, no entanto, que não se defende o respeito à lei com discursos bonitos, mas com ações práticas. Se os corruptos devem ser investigados por seus deslizes e perder o mandato quando sua culpa é provada, os corruptores também devem ser submetidos a um processo semelhante, caso contrário estarão livres para procurar novos sócios no futuro. Eles vivem da desigualdade, dos favores especiais e dos privilégios, produzindo o dinheiro novo que faz girar uma máquina tão antiga como nossa história.

PAULO MOREIRA LEITE é jornalista.