Título: Recorde de estréias na Bolsa
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 17/09/2005, Economia, p. 29

Doze empresas chegam à Bovespa, o maior número de lançamentos em 19 anos

O mercado financeiro não via nada igual há 19 anos: 2005 chegará ao fim com 12 novas empresas dos mais diversos setores em Bolsa, em plena crise política. Destas, sete já lançaram ações no mercado nos últimos nove meses (Renar Maçãs, Submarino, Localiza, Obrascón Huarte Lain Brasil - OHL, Energias do Brasil, Lojas Renner e TAM) e uma ainda tem a oferta em andamento (caso da Cyrela, do setor imobiliário). Segundo Maria Helena Santana, superintendente de Relações com Empresas da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), desde 1986 a bolsa não registrava um saldo tão elevado de novas ofertas. Além da Cyrela, Nossa Caixa, Microsiga, Primav EcoRodovias, La Fonte e Cosan se preparam para lançar ações - as duas últimas já fizeram o pedido de registro à Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Ao mesmo tempo, 2005 marca o menor número de cancelamentos de registro na Bolsa desde 2000: foram nove, contra 20 no ano passado e 33 em 2000.

Segundo analistas, o crescimento econômico e a farta liquidez internacional - que atrai um grande número de investidores estrangeiros para o Brasil, em busca de ganhos elevados - acabaram servindo como mola propulsora para as novas ofertas. Os estrangeiros responderam por 70% das compras de ações nas novas emissões.

- O Brasil tem excelentes empresas e o mercado evoluiu: as companhias que chegam à Bolsa têm vários mecanismos de proteção ao acionista, como, por exemplo, apenas ações com direito a voto num mercado que ainda é dominado por papéis que não oferecem garantia alguma ao investidor. Isso dá mais segurança tanto para os estrangeiros como para os brasileiros participarem das novas ofertas - avalia Alan Gandelman, diretor da corretora Ágora Senior.

Nem todas tiveram bom desempenho

Tanta procura fez as ações da Natura, que estrearam na Bolsa há quase um ano e meio, acumularem uma alta de 143,84% desde o lançamento. Já as Lojas Renner registraram uma alta de 48,65% desde a estréia, em julho. Resultados como estes vêm animando empresários a venderem parte do negócio na Bolsa. É o caso da Primav EcoRodovias, que atua no ramo de concessões rodoviárias.

- Estamos nos preparando para isso há dois anos. Agora é a hora da decisão. Em setembro, escolheremos os bancos que conduzirão a oferta, que deve acontecer até o fim de 2005. Queremos fugir de eventuais turbulências políticas em 2006, por causa das eleições - diz Marcelino Rafart de Seras, presidente da EcoRodovias. - Nossa intenção é vender de 25% a 30% do capital na Bolsa, apenas com ações que dão direito a voto. Queremos financiar nosso crescimento na Bolsa.

A Cyrela, cujo período de reserva de ações vai até dia 19, também venderá exclusivamente ações com direito a voto, que protegem o acionista minoritário. Serão mais de cem milhões de papéis, numa operação que, estima-se, movimentará pelo menos R$700 milhões. Os recursos serão usados na compra de terrenos, financiamento a clientes e pagamento de dívidas.

O advogado Márcio Velmovitsky participará da oferta da Cyrela. Ele, que até o ano passado nunca havia aplicado em Bolsa, participou da oferta da Natura e, depois disso, vieram ALL e Gol, que lançaram ações em 2004, e OHL, em 2005.

- O mercado cresceu e sinto mais confiança para investir. Mas é preciso paciência e muita calma para agüentar eventuais solavancos e mesmo perdas com os papéis - pondera.

Mas, é bom lembrar, nem todos os lançamentos de ações tiveram uma boa história para contar: as ações da Grendene acumulam queda de 41,77% desde a estréia, em outubro do ano passado. Já os papéis da Renar Maçãs caíram 51,25% desde o lançamento.

- O risco de perder o dinheiro investido é inerente à aplicação em Bolsa. O investidor não deve deixar-se seduzir apenas pelo bom resultado de uma ou outra oferta - alerta Rodrigo Magela, gestor de Renda Variável da ARX Capital Management.

Maria Helena, da Bovespa, acredita que o melhor da Bolsa ainda está por vir:

- Tivemos sete lançamentos de ações num cenário de juros altos e há ainda mais cinco até o fim do ano. Foi um ano de consolidação do crescimento, mas imagine então agora, que as taxas começaram a cair. Isso vai atrair mais investidores e empresas para a Bolsa. Buscar financiamento no mercado é uma tendência que veio, definitivamente, para ficar - afirma.

Mais dez companhias na fila

Se, até agora, tamanho foi documento no que diz respeito às estreantes na Bolsa - em sua maioria, empresas de grande porte, com nome consolidado no mercado - tudo promete mudar a partir do primeiro trimestre do ano que vem. Até março, a Bolsa lançará o Bovespa Mais, segmento que será destinado ao acesso das pequenas e médias empresas ao mercado. Já há dez companhias na fila - seis delas (Lupatech, Bematech, Altus, Koblitz, Nutrella e Intelbrás) são empresas que têm no BNDES um importante sócio, que as preparou para a abertura de capital.

- Acreditamos muito no potencial de crescimento dessas empresas, que será financiado pelo mercado de capitais. Mais tarde, as que forem mais bem-sucedidas poderão migrar para a Bovespa - diz Fábio Sotelino, superintendente de Mercado de Capitais do BNDES.

Maria Helena Santana, da Bovespa, explica que o Bovespa Mais, a exemplo do Novo Mercado - que exige das empresas práticas de proteção ao minoritário - terá empresas que emitirão apenas ações com direito a voto (ordinárias, ONs) ou, se têm preferenciais, terão que convertê-las mais tarde em ONs.

- As ofertas serão compatíveis com o tamanho das empresas. Para estimular o interesse pelas ações, financiaremos a produção de análises anuais e esporádicas sobre as companhias. Daremos apoio para que as empresas cresçam na Bolsa e possam, depois, migrar para o Novo Mercado. (Patricia Eloy)

'Isso vai atrair mais investidores e empresas. Buscar financiamento no mercado é uma tendência que veio para ficar'

MARIA HELENA SANTANA

Superintendente da Bovespa

Legenda da foto: MÁRCIO VELMOVITSKY participou das últimas ofertas e investirá agora na Cyrela