Título: APETITE REAL
Autor: Geralda Doca e Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 20/09/2005, Economia, p. 21

Brasil capta R$3,4 bi no exterior em títulos na moeda local. Demanda supera R$16 bi

Omercado financeiro internacional deu, em meio à crise política, uma grande demonstração de confiança na economia brasileira. Ontem, pela primeira vez na história do país, o Tesouro Nacional captou no mercado externo em reais, com procura considerada excepcional pelos agentes financeiros. Foram levantados R$3,4 bilhões (US$1,5 bilhão). Os títulos globais, com vencimento em 11 anos (2016), pagarão aos investidores juros de 12,75% ao ano.

A idéia do governo ao lançar papéis em reais ¿ para o qual a autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN) saiu no fim do ano passado ¿ é melhorar seu perfil de pagamentos futuros e reduzir sua exposição ao risco cambial. Isso porque, neste tipo de operação, o risco de uma desvalorização do real passa a ser dos investidores, que teriam menos moeda estrangeira a receber no vencimento. Ou seja, o governo pagará sempre o valor expresso no título, o que aumenta sua capacidade de administrar o débito e honrá-lo.

Comandada pelos bancos Goldman Sachs e JP Morgan, com participação do Itaú, a operação agitou o mercado, diante do forte apetite pelos papéis: de uma oferta inicial estimada em US$500 milhões, a demanda teria superado US$7 bilhões (R$16 bilhões), segundo analistas. Os papéis foram vendidos por 98,636% do valor de face. A operação será liquidada em 26 de setembro, quando os recursos chegam às reservas internacionais. Os juros serão pagos em 5 de janeiro e 5 de julho de cada ano, até 2016.

Setor privado emitiu US$1,07 bi em reais

O secretário-adjunto do Tesouro Nacional, José Antonio Gragnani, afirmou que a operação demonstrou a confiança dos investidores na solidez da economia brasileira. Foi também, disse ele, uma oportunidade de o país abrir um novo mercado no exterior em reais e, com isso, a possibilidade de novas emissões no futuro. Ele destacou também que a emissão soberana servirá como base para incentivar empresas privadas a seguirem o exemplo.

A primeira captação em reais aconteceu em novembro de 2004 pelo Banco Votoratim. Mais recentemente, instituições privadas como Bradesco, Unibanco, ABN Amro Real e Banco do Brasil também já se aventuraram nesse tipo de operação. No total, nove instituições brasileiras ¿ em sua maioria, bancos ¿ já captaram em reais o equivalente a US$1,074 bilhão. Na esteira da forte demanda pelos papéis do governo, o Bradesco lançou ontem uma nova captação em reais. Os títulos, segundo comenta-se no mercado, teriam vencimento em cinco anos.

Nos últimos meses, com a liquidez no mercado internacional, o governo brasileiro tem sido mais agressivo na administração da dívida externa. O Tesouro concluiu em junho o cronograma de US$6 bilhões em captações para 2005. Nos próximos dois anos, pretende rolar 76% do total de R$11,8 bilhões. Ou seja, captará US$9 bilhões e quitará US$2,8 bilhões.

Para Alan Gandelman, diretor da corretora Ágora Senior, a operação de ontem foi uma ¿prova incontestável¿ da confiança dos estrangeiros na economia brasileira:

¿ É com base nessa confiança maior que aceitaram correr o risco de aceitar papéis em reais. Embora possamos antecipar uma safra de novas emissões corporativas em reais, não acredito que virem uma febre: este é um mercado ainda restrito a companhias de primeira linha, com baixa nota de risco, como bancos.

Felipe Brandão, diretor de Mercados Emergentes da corretora Garban/Icap acredita que as emissões brasileiras vão beneficiar outros emergentes a médio prazo, derrubando as taxas de risco-país. Já Alexandre Horstman, sócio da Meta Asset, aposta que, com as captações corporativas e a farta liquidez internacional, o dólar ¿ hoje em R$2,29 ¿ pode recuar para patamares próximos a R$2,20.

COLABOROU: Vagner Ricardo