Título: UM INSTANTÂNEO DE UMA NAÇÃO INDECISA
Autor: Graça Magalhães
Fonte: O Globo, 20/09/2005, O Mundo, p. 26

Quando o chanceler Gerhard Schroeder anunciou sua intenção de convocar uma eleição antecipada, ele mal podia antecipar o caos político em que a Alemanha foi lançada anteontem. Ele esperava claridade e colheu confusão. Como ¿ somos tentados a perguntar ¿ poderia uma nação tão ordeira criar tal desordem só por realizar uma eleição? A primeira coisa a se observar é que o resultado inconclusivo apresentou um preciso instantâneo do conflituoso estado de espírito da Alemanha.

O sistema representativo alemão pode ter causado incerteza, mas é uma incerteza que representa com exatidão as visões do público. A razão que levou Schroeder a convocar eleições foi que ele estava perdendo apoio de seu grupo parlamentar para as reformas econômicas que julgava necessárias. Ele buscou um novo mandato dos eleitores, e não obteve um.

Mas sua oponente, Angela Merkel, também não. Em sua campanha, Schroeder com sucesso amedrontou os alemães com o que apresentou como a versão de Merkel de ¿terapia de choque¿. O Estado social continua sendo sacrossanto na Alemanha. Merkel superestimou o apetite dos compatriotas por mudança.

Seria muito pessimista, entretanto, concluir que os alemães rejeitaram a mudança totalmente e para sempre. A escolha foi entre a versão radical de Merkel e uma abordagem mais gradual defendida por Schroeder. No fim, apenas 8% dos eleitores optaram por trilhar o caminho inverso ¿ a opção apresentada pelo novo Partido de Esquerda de Gregor Gysi e Oskar Lafontaine. Um total de 45% apoiaram Merkel e o FDP, mais orientado para o mercado; um pouquinho menos apoiaram a coalizão vermelho-verde de Schroeder. Isto é quase um consenso nacional sobre a reforma.

Visto dessa forma, mal se pode dizer que é um desastre. Se, como é possível, as reformas do mercado de trabalho iniciadas por Schroeder no primeiro semestre comecem a reduzir o desemprego e a melhorar a situação econômica antes do fim do ano, nem tudo estará perdido. O que é ¿ ou poderá ser ¿ um desastre é o impasse político que se anuncia no horizonte. A última coisa de que a Alemanha precisa é algo que pare as reformas modestas de Schroeder e dê aos alemães a desculpa para caírem num novo ataque de introspecção.

Tecnicamente, o caminho à frente é claro. A aliança de centro-direita de Merkel é o maior partido no novo Parlamento mesmo por margens muito pequenas. É direito dela tentar formar uma coalizão. Somente se ela falhar as alternativas devem ser analisadas. Uma grande coalizão, a que Schroeder se opõe, só é passível de funcionar se os dois partidos concordarem nas prioridades. Durante esta campanha, entretanto, os dois maiores partidos da Alemanha estavam tão distantes um do outro em relação a políticas de governo como sempre estiveram. O fato inescapável é que esta campanha foi incomumente disputada ¿ por cinco partidos com políticas diferentes a líderes articulados.

Muitos acreditam que a perspectiva de um novo mandato para Schroeder como prova de que os alemães não querem mudança. Mas isso seria um erro. Em 18 de setembro, os alemães votaram pela mudança: o que eles não conseguiram decidir é o quão radical essa mudança deve ser.