Título: CASUÍSMO
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Fonte: O Globo, 21/09/2005, Opinião, p. 6

Entre tantas ameaças que rondam a vida política brasileira, uma - o risco de uma reforma temerária - acaba de ganhar em virulência, com a decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de apoiar a extensão do prazo legal para permitir que se façam mudanças na legislação eleitoral com vistas a 2006.

Há duas emendas constitucionais apresentadas no Congresso com o objetivo de alterar de 30 de setembro para o final do ano essa data limite. De autoria do deputado Ney Lopes (PFL-RN) e do senador Tasso Jereissati (PSDB-CE), os projetos são bem-intencionadas iniciativas diante da dimensão da atual crise política. Como o pano de fundo do escândalo do mensalão e do caixa dois instituídos pela dupla Delúbio-Valério para irrigar contas e bolsos de petistas e aliados é uma legislação falha, é natural haver essa corrida para se aperfeiçoar as regras do jogo político-eleitoral. Natural, mas inadequada.

Pois, por se tratar de uma legislação de extrema importância, as mudanças precisam ser debatidas com calma, sem correrias. E tanto quanto isso, num ambiente político muito diferente do atual, em que o Congresso se encontra em rebuliço, apenas no início de uma tensa fase de cassação de mandatos. Nessas circunstâncias, é certo que uma reforma estratégica será contaminada por outros interesses.

O momento pede serenidade e bom senso. E eles aconselham que se espere 2007 para que o assunto entre na agenda de um Congresso renovado - com os expurgos necessários já feitos pela via da cassação em plenário ou por meio do voto popular - e no início de um novo mandato presidencial.

Deve-se manter a legislação intacta. Porque na atual conjuntura é um avanço preservar a cláusula de barreira contra as legendas nanicas - um mínimo de 5% de votos nacionais e de 2% em nove estados - dispositivo que pode ser derrubado numa reforma açodada, e que é essencial para se acabar com a excessiva proliferação de partidos.

Por sua vez, o compromisso do presidente do Tribunal Superior Eleitoral, Carlos Velloso, assumido em corajosa autocrítica, de impor o cumprimento rígido da lei - como sempre deveria ser - é outra garantia de que as eleições de 2006 estarão menos vulneráveis a propinodutos e esquemas similares. Sem se correr o risco desnecessário de um desastroso retrocesso.

É erro grave tentar fazer uma reforma política às pressas