Título: ÉTICA E COMPROMISSO
Autor: Itamar Franco
Fonte: O Globo, 21/09/2005, Opinião, p. 7

O país passa por um grave momento político. O debate sobre as questões que se mostram a todos os brasileiros deve partir do pleno respeito à vontade dos cidadãos manifestada nas urnas.

Com diferentes instrumentos de luta, enfrentamos o autoritarismo e soubemos nos unir em torno de um objetivo: o de restaurar a democracia no Brasil. Deixando de lado eventuais divergências, concentramo-nos nos princípios éticos e morais e no respeito à vontade popular para restabelecer o estado democrático.

Em nossa permanência nos destinos da nação, mantivemos o estado de direito e particularmente fizemos o nosso sucessor. O ministro Delfim Netto, em uma de suas análises, diz que no nosso governo estávamos muito próximos dos três indicadores com os quais o mundo nos julga. A relação dívida líquida/PIB, a relação dívida externa sobre exportação e a relação amortização mais juros. O PIB de 1994, segundo o IBGE, foi de 5,9%, o maior daquele ano até agora. A atual política monetária não abriu espaço para a distribuição de renda e a redução das desigualdades sociais. Os juros elevados levaram as riquezas "a certos setores", que não os mais necessitados.

A crise política que assoma o país e assombra a sociedade não pode ser debelada senão pela atuação pronta e eficiente do respeito aos princípios democráticos de respeito aos princípios garantidores da segurança jurídica de todos e do respeito à vontade do povo. O Congresso Nacional, em especial pelas CPIs e pela Comissão de Ética, haverá de honrar o seu passado, respeitando o desejo da sociedade de ver tudo quanto denunciado perfeitamente elucidado, sem a quebra do respeito aos direitos constitucionais. Os órgãos fiscalizadores da administração pública, tais como a Controladoria Geral da União, o Ministério Público e a Polícia Federal, têm papel fundamental na apuração de irregularidades apontadas nas instituições e no exercício dos cargos de poder. Inadmissível é que recursos públicos sejam carreados para o atendimento de interesses menores e subalternos. Mas as acusações devem ser perquiridas e comprovadas segundo o princípio do devido processo legal, a fim de que o estado de direito, pelo qual sempre lutamos, não se torne, mais uma vez na história pátria, mera peça de retórica.

Acompanhei com a devida cautela as acusações de envolvimento de parlamentares e de dirigentes partidários em situações questionáveis ética e juridicamente. É necessário que os responsáveis por condutas ilegais sejam exemplarmente punidos. Entretanto, é imperativo também que o denuncismo sem provas não prospere, a fim de que não se excluam da vida pública brasileira pessoas que tiveram e têm compromissos com os interesses maiores da sociedade.

Denúncias por si não podem prevalecer. Há que se apurar o quanto foi denunciado, comprovar a veracidade, ou não, das acusações feitas, para se concluir sobre as providências a tomar, e a soberania popular não ser falseada pela conduta de uma ou outra pessoa.

Há que se perguntar como garantir a governabilidade do país e a estabilidade das instituições em proveito do interesse e da vontade sem se transigir com a apuração e a punição dos que atuaram contra a lei e contra a soberania popular que, por si, exige ética e compromisso republicano.

Dentre os que foram acusados no denuncismo que assola o país, anoto a situação do ex-ministro e hoje deputado José Dirceu, por quem tenho apreço. O importante é que se observe o equilíbrio tão caro aos mineiros e virtuoso da República: nem fique sem apuração e punição os que atentam contra a vontade do povo, nem seja cassado o povo do seu voto pela atuação imputada aleatoriamente a um titular de mandato popular.

Sem respeito ao povo, não há democracia. Sem respeito à Constituição, não há estado de direito. Sem respeito ao estado democrático de direito por todos, e, em especial, pelos governantes e mandatários do povo, não há garantia de estabilidade das instituições nem possibilidade de se construir o que tem sido a nossa luta, de formar uma sociedade brasileira livre, justa e solidária.

Guimarães Rosa em "Grandes sertões: veredas" já ensinava: "Todo caminho da gente é resvaloso, mas cair não prejudica demais, a gente levanta, a gente sobe, a gente volta." Assim seja...

ITAMAR FRANCO foi presidente da República, senador, governador de Minas Gerais e prefeito de Juiz de Fora.

A atual política monetária não abriu espaço para a distribuiçãode renda