Título: Doleiro diz ter lavado R$7 milhões para PT e PP
Autor: Evandro Éboli/Alan Gripp
Fonte: O Globo, 21/09/2005, O País, p. 8

Toninho da Barcelona depõe em sessão conjunta das CPIs e relata suposto esquema ilegal na eleição de 2002

BRASÍLIA. O doleiro Antonio Oliveira Claramunt, o Toninho da Barcelona, deu detalhes ontem de um suposto esquema de lavagem de dinheiro que, segundo ele, teria servido a campanhas eleitorais do PT e do PP. Barcelona, que prestou depoimento em sessão conjunta das CPIs dos Bingos, dos Correios e do Mensalão, disse que trocou R$7 milhões para o esquema entre 3 de setembro e 9 de outubro de 2002, nas semanas que antecederam as eleições presidenciais. Ele afirmou que recebeu os dólares do doleiro Dario Messer e trocou por reais.

De acordo com Barcelona, a quantia foi repassada para a corretora Bônus-Banval, que a entregou a políticos do PT e ao deputado José Janene (PP-PR), também acusado de ser um dos operadores do mensalão. A Bônus-Banval já está sendo investigada no escândalo do mensalão.

- O que se dizia o tempo todo é que o dinheiro saía da Bônus-Banval para alavancar campanhas políticas - disse.

Busca de dólares por políticos na eleição

O doleiro, que foi levado da prisão em São Paulo para a Câmara sob forte esquema de segurança, disse ter sido informado pelo presidente da Guaranhuns, Lúcio Funaro, sobre o destino do dinheiro que trocava. Os recursos seriam mantidos no exterior em contas no Trade Link Bank, nas Ilhas Cayman, que, segundo Toninho, funcionava como um braço do Banco Rural fora do país. Ele disse que a Trade Link é controlada pelo publicitário Marcos Valério, acusado de operar o mensalão. E sugeriu que, após o início do governo, foram as contas deste banco que passaram a abastecer o valerioduto. Marcos Valério teria simulado o empréstimo no Rural para esconder as operações com o Trade Link.

- Essa conta pode revelar os deputados que receberam o mensalão - afirmou.

No início da noite, Barcelona pediu que a sessão prosseguisse de portas fechadas. Em contrapartida, as CPIs se comprometeram a enviar um documento à Justiça informando que o doleiro havia colaborado com a investigação. Mas só se ele apresentasse fatos novos.

Segundo relatos de parlamentares, ele disse que houve um acordo para que o esquema da Bônus-Banval repassasse R$8 milhões para o PP para que o partido não fosse hostil ao PT. E afirmou ainda que o dinheiro teria sido entregue a José Janene. Citou também o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, como um dos supostos beneficiários, mas não apresentou provas. Disse que obteve as informações de seu companheiro de cela, o doleiro Najum Tuner, conhecido pelo escândalo da Operação Uruguai, do governo do ex-presidente Collor.

O doleiro também disse já ter trocado reais por dólares para empresas de ônibus de Santo André suspeitas de ligação com caixa dois do PT. Ele afirmou que o dinheiro era remetido para a conta Barret no Merchant Bank, nos EUA.

Ainda no depoimento aberto, disse que, às vésperas das eleições de 2002, havia uma busca de partidos políticos, abarrotados de dólares, por reais. A procura era tanta que o mercado não conseguia atendê-los. Ele contou que, em pelo menos uma ocasião, sua empresa trocou US$800 mil dólares para o doleiro de Santo André identificado apenas como Ernesto, que abasteceria outras campanhas. Mas não disse quais.

- Havia uma busca intensa, diária, por reais. Sobrava dólar e faltava real. Era um oásis encontrar dinheiro em espécie.

Barcelona afirmou ainda às CPIs que Dario Messer era o principal doleiro do PT.

- Assino embaixo, nem que pegue mais dez anos de cadeia.

O doleiro disse ainda que circulava a informação no mercado de que os sócios da corretora Bônus-Banval eram amigos íntimos do ex-chefe da Casa Civil José Dirceu:

- Não estou dizendo que o Dirceu fez qualquer coisa. Eles (os donos) tinham o prazer de dizer que o tinha como amigo.

Dirceu divulgou nota negando relação com os donos da corretora. A assessoria de imprensa da Bônus-Banval divulgou nota ontem qualificando como mentirosas as declarações "prestadas hoje (ontem) pelo presidiário Antonio Claramunt", que "não apresentou qualquer evidência para comprovar as suas declarações".

Um dos momentos mais polêmicos da sessão foi quando Barcelona citou o deputado José Mentor (PT-SP), ex-relator da CPI do Banestado. Barcelona culpou Mentor por hoje estar preso e condenado a 25 anos de cadeia. O doleiro acha que se tivesse sido ouvido por aquela CPI, há dois anos, teria se livrado da condenação. Ele acusou Mentor de evitar ouvi-lo para que o esquema que beneficiava o PT não fosse revelado. Ao ser citado, Mentor foi para o lugar do depoimento, pediu a palavra e negou as acusações. Os dois conversaram durante o intervalo.

- Não tem cabimento. O senhor está sob custódia do governo estadual de São Paulo, que é administrado pelo PSDB, que quer nos envolver nisso tudo. Não tenho poder para tanto - disse Mentor.

Doleiro nega ter acusado ministro

Barcelona recuou em relação às denúncias que fez em agosto de que teria enviado dinheiro ilegalmente para o exterior para o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles:

- Não fiz acusação direta a Márcio Thomaz Bastos e não acredito que Meirelles tenha enviado dinheiro para o exterior para lesar os cofres públicos.

Algemas até a sala da sessão no Congresso

Doleiro diz que está tomando calmantes

BRASÍLIA. O doleiro Toninho da Barcelona recebeu das CPIs dos Bingos, Correios e Mensalão tratamento de criminoso de alta periculosidade. Ele saiu de Curitiba, onde estava preso, num avião da Polícia Federal e viajou algemado até Brasília. Usando terno e gravata, ele chegou por volta das 10h e seguiu para o Congresso Nacional num trajeto não divulgado. Lá, entrou pelo estacionamento do Senado, de onde seguiu para a sala onde foi realizada a sessão. Minutos antes de começar o depoimento, as algemas foram retiradas.

Toninho da Barcelona foi condenado a 25 anos de prisão por lavagem de dinheiro, crime contra a ordem tributária e lavagem de dinheiro. Desde agosto, tenta negociar a redução da pena em troca de informações. Logo no início do depoimento disse que a mídia lhe atribuía mais importância do que tem:

- Jamais fui o maior doleiro do país - disse.

O doleiro contou que tinha tomado um comprimido de tranquilizante antes do depoimento.

- Já faço uso há um ano. Depois das coisas que me aconteceram, uso desse calmante para manter o controle emocional.

Quando perguntado sobre onde teve contas no exterior, respondeu inicialmente que apenas nos Estados Unidos. Pressionado, no entanto, admitiu que também operou em bancos do Uruguai e da Suíça, além de ter duas off-shores nas Ilhas Virgens Britânicas. A omissão irritou o relator da CPI dos Correios, Osmar Serraglio (PMDB-PR).

O doleiro disse diversas vezes que quer mudar de vida e que para isso está disposto a colaborar. Ele afirmou que forneceu à PF as senhas de seus computadores para permitir a identificação de todas as operações ilegais feitas por ele. Segundo uma fonte ligada à equipe que investiga o caso em Curitiba, pelo menos 1.500 clientes foram identificados na contabilidade registrada num laptop. (Alan Gripp)

INVESTIGAÇÃO NA CORRETORA

Pela Bônus-Banval, se somados os recursos sob investigação das CPIs, passaram quase R$11 milhões destinados a financiar grupos políticos. Do esquema de Marcos Valério, a corretora teria recebido pelo menos R$3,9 milhões. Ontem, Toninho da Barcelona disse que mais R$7 milhões passaram por ela em direção ao caixa dois de campanhas. A Comissão de Valores Mobiliários constatou ainda que pelo menos R$7,557 milhões foram repassados à RS Administração e Construção, controlada por uma empresa em paraíso fiscal, e a um corretor autônomo por empresas investigadas pela CPI dos Correios.

Legenda da foto: O DOLEIRO ANTONIO Claramunt, o Toninho da Barcelona, chega ao Congresso para depor algemado e sob forte esquema de segurança