Título: SEIS PORTAS ATÉ OS R$2 MILHÕES
Autor: Célia Costa/Ana Cláudia Costa/Jaílton de Carvalho
Fonte: O Globo, 21/09/2005, Rio, p. 14

PF diz que dinheiro roubado estava em outra sala na sede da Praça Mauá

Os mais de R$2 milhões que foram roubados na sede da Polícia Federal, na Praça Mauá, não estavam na sala-cofre apresentada anteontem. Na nova versão, o dinheiro estaria numa sala com porta de grade de ferro, dentro da Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE), no quarto andar. Para conseguir as chaves da sala, os ladrões arrombaram seis portas da delegacia e o armário do chefe do cartório. Seguiram até a sala onde estava o dinheiro e abriram duas portas.

Uma das hipóteses é que o ladrão tenha jogado a sacola com o dinheiro para um cúmplice na Rodoviária Mariano Procópio, ao lado. Também surgiu a suspeita de os mais de R$2 milhões não terem saído da PF. As dependências foram vasculhadas, além dos armários dos policiais que foram afastados depois do crime.

O diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, declarou guerra aos policiais suspeitos do roubo do dinheiro, apreendido com integrantes do bando que pretendia enviar cocaína para o exterior dentro de bucho bovino. Lacerda destacou um grupo de 50 agentes para apurar o caso e também para investigar a quadrilha. O crime é considerado tão grave que o diretor-geral designou o superintendente da PF em Brasília, Daniel Sampaio, para comandar a fase inicial das investigações sobre o roubo.

- Vamos encarar esses policiais, que não merecem o título que têm, como bandidos. Vamos fazer tudo que for possível para levantar as provas, prender todos os suspeitos e recuperar o dinheiro - disse Lacerda.

Os agentes investigarão se os responsáveis pelo roubo têm ligação com a quadrilha. Uma das suspeitas é que policiais cúmplices dos traficantes tenham levado o dinheiro não só por cobiça, mas para atrapalhar as investigações sobre o bando, dificultando a identificação e a prisão de outros integrantes do grupo.

Para explicar o erro na divulgação do lugar onde estaria o dinheiro, o superintendente em exercício da PF do Rio, delegado Roberto Prel, disse apenas que houve um mal-entendido. Ele não explicou o motivo de a informação errada ter sido mantida até a noite de ontem.

- Pensei que vocês (os jornalistas) estivessem falando do sala-cofre dentro da DRE - disse o delegado.

No lugar onde a PF disse inicialmente que estaria o dinheiro, na verdade se encontra a cocaína pura apreendida com a quadrilha.

Na sede da PF, clima de constrangimento

Depois da divulgação de fotografias que mostram a precariedade das condições da sala-cofre no quarto andar, com fios à mostra e uma caixa de luz sem porta, a PF fez uma maquiagem no local. A caixa de luz ganhou portas pintadas. Na sede da corporação, o clima é de constrangimento. O delegado titular da DRE, Alfredo Dutra, um dos 59 policiais afastados, estava indignado.

- Não acredito em envolvimento de ninguém da minha equipe, mas tenho certeza de que foi alguém da PF. Prendemos uma quadrilha e agora vamos prender outra.

Ontem, 20 agentes foram ouvidos pelo corregedor regional, Victor Hugo Poubel, que não revelou detalhes. Segundo ele, o chefe do cartório da DRE, responsável pelas chaves da sala-cofre, disse que o procedimento de guardá-las no armário é de praxe e de conhecimento de todos da DRE.

Peritos criminais do Instituto Nacional de Criminalística (INC) da PF do Rio e papiloscopistas vindos de Brasília fizeram ontem nova perícia no lugar. Estão sendo analisadas as fitas das câmeras nos acessos ao prédio. Alguma delas ficam dentro de bonecos de policiais.

A maior parte dos R$2 milhões que desapareceram foi apreendida durante a Operação Caravelas, na casa do português Antônio Santos Damaso.

'Eu era para ele um mero CPF'

A 11ª Vara Federal de Goiás decretou ontem a prisão de Rodrigo Palinhos, filho do português José Antônio de Palinhos Jorge Pereira, apontado pela Polícia Federal como o principal financiador da quadrilha de tráfico internacional de cocaína. Rodrigo disse que já desconfiava do envolvimento do pai com crimes.

- Compra de apartamentos, carros e, quando eu perguntava, ele dizia que o negócio ia bem: "Estou exportando não sei quantos contêineres de carne". Agora eu sei que ele é um traficante internacional - afirmou Rodrigo, ao "Jornal Nacional", da Rede Globo.

Rodrigo contou que emprestou seu nome e seu CPF para o pai abrir empresas de exportação de carne:

- Fui sócio dele, assinei alguma procuração, mas nunca administrei nada. Eu era para ele um mero CPF.

Rodrigo informou ontem à noite que se entregaria logo. A PF já prendeu dez suspeitos dentro da Operação Caravelas.

Sindicato denuncia infra-estrutura precária

Enquanto PF faz operações bem-sucedidas, sede no Rio precisa de reformas urgentes

No mesmo momento em que a Polícia Federal vive dias de glórias realizando operações importantes pelo país, a superintendência do Rio enfrenta numerosos problemas de infra-estrutura. O principal exemplo é o roubo dos mais de R$2 milhões. Um dossiê preparado pelo Sindicato dos Policiais Federais, ao qual O GLOBO teve acesso, mostra que as instalações são precárias: há infiltrações nos telhados; salas e um teatro de 700 lugares estão abandonados; as instalações hidráulicas e elétricas precisam de reforma urgente.

Diretores do sindicato, que preferiram não ser identificados, afirmaram ontem que várias denúncias sobre a falta de segurança dentro da superintendência foram encaminhadas à direção geral da PF. Numa das mais graves, informaram que o número de policiais de plantão na sede é insuficiente: apenas sete.

Para o delegado Paulo Lacerda, diretor-geral da PF, o roubo tirou parte do brilho da Operação Caravelas e arranhou a boa imagem que corporação vem duramente conquistando nos últimos anos. O presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Francisco Carlos Garisto, disse que a sede da PF no Rio é uma masmorra e não oferece as mínimas condições de trabalho aos agentes:

- Isso não justifica esse furto imbecil praticado por alguém que se aproveitou das deficiências das instalações. É um desvio de conduta que será punido, pois já provamos que sabemos cortar na própria carne.

A presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal, Edina Horta, reconheceu que existem problemas de infra-estrutura e de efetivo, mas, para ela, eles não justificam o que aconteceu na sede da PF no Rio:

- Estamos todos envergonhados, mas ninguém vai ficar impune, porque, se alguém dentro da PF se comporta como bandido, deve ser punido com mais rigor do que qualquer bandido comum - disse Edina.

Nos últimos anos, ações da PF têm ganhado destaque devido aos nomes famosos dos acusados e ao grande número de pessoas investigadas. Na semana passada, a PF prendeu Paulo Maluf e seu filho, Flavio, acusados de desviar e remeter ilegalmente para o exterior US$250 milhões dos cofres públicos.

No início do mês, a PF prendeu uma quadrilha de fraudadores do INSS que agia no Rio e em Minas Gerais. O valor do golpe pode superar R$15 milhões. Pelo menos 28 pessoas, entre funcionários, contadores e agenciadores, foram detidas na Operação Mercado Negro.

Outra operação de repercussão da PF foi a Anaconda, iniciada em outubro de 2003, em que foram presas oito pessoas acusadas de vender decisões judiciais. Entre elas estava o juiz federal João Carlos da Rocha Matos.

Operação Vampiro prendeu 17 pessoas acusadas de fraudes

Na Operação Vampiro, em maio de 2004, foram presas 17 pessoas sob a acusação de fraudar licitações para compra de derivados de sangue no Ministério da Saúde. A lista de acusados incluía o ex-coordenador-geral do Ministério da Saúde Luiz Cláudio Gomes, na época um dos auxiliares do ministro Humberto Costa.

Em novembro de 2003, durante a Operação Praga do Egito, a PF deteve 53 pessoas, entre elas o ex-governador de Roraima Neudo Campos. Os presos foram acusados de montar um esquema de contratação irregular de servidores públicos, apelidados de "gafanhotos".

Na Operação Farol da Colina, em agosto de 2004, 62 doleiros foram presos, acusados de lavar dinheiro da corrupção, da sonegação e do narcotráfico.

COLABOROU:Ana Cláudia Costa