Título: MAIS IGUALDADE, MENOS POBREZA
Autor: José Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 21/09/2005, Economia, p. 21

Banco Mundial defende ampliar acesso dos pobres a saúde, educação, emprego e terra

Enquanto não forem implantadas políticas para reduzir as desigualdades, e não houver uma melhor distribuição de renda no Brasil e nos países em desenvolvimento em geral, será impossível reduzir a pobreza - concluiu o Banco Mundial (Bird) depois de avaliar a atual situação sócio-político-econômica global.

A base fundamental para o combate à pobreza, segundo a instituição, é a eqüidade - e não apenas o simples crescimento econômico, como defendia até aqui a maioria dos especialistas do setor e do próprio Bird. E tal eqüidade teria de ser definida fundamentalmente como "a igualdade de oportunidades para as pessoas".

O objetivo não seria o de alcançar a igualdade de renda, mas sim "ampliar o acesso dos pobres à assistência de saúde, à educação, ao emprego, ao capital e aos direitos de propriedade da terra".

- A eqüidade exige ainda, como requisito crucial, uma maior igualdade de acesso às liberdades políticas e ao poder político . E implica ainda pôr fim aos estereótipos e à discriminação, e melhorar o acesso aos sistemas de justiça e à infra-estrutura - disse François Bourguignon, vice-presidente e economista-chefe do Bird, que liderou a equipe que realizou o estudo intitulado "Eqüidade e desenvolvimento 2006", divulgado ontem em Washington.

Chile na lista dos mais desiguais

Trata-se da primeira grande incursão do Bird no cenário político-governamental. E traz afirmações raramente ouvidas em instituições multilaterais, como "os mercados não são as únicas instituições na sociedade". Segundo estudos e simulações realizadas pelos economistas da casa, países com altas taxas de crescimento econômico teoricamente reduzem a pobreza mais rapidamente do que os que crescem mais lentamente. Está comprovado, segundo o Bird, que o acréscimo de um ponto percentual no crescimento da renda média de um país é capaz de reduzir a incidência de pobreza em cerca de 2,4 pontos.

Isso, no entanto, supõe que o crescimento da renda dos pobres seja igual ao da renda dos mais privilegiados. O que raramente acontece. O alívio e a efetiva redução da pobreza, de acordo com a nova visão do Bird, só serão realidade quando houver "uma ação pública enfocada na distribuição de bens, de oportunidades econômicas, e de voz política, em vez de se concentrar diretamente na desigualdade de rendas".

- Quando as rendas não crescem juntas, tendo uma taxa idêntica para todos, e, portanto, quando a renda dos pobres não tem o mesmo crescimento da dos ricos, não há alívio da pobreza - disse Bourguignon.

Segundo o informe do Bird, para que haja um crescimento econômico eqüitativo é preciso implantar políticas que criem oportunidades equilibradas. E o grande desafio, nesse ponto, é o acesso dos mais pobres às decisões fundamentais. "Políticas eqüitativas têm mais probabilidade de êxito quando, ao nivelar o campo econômico, são acompanhadas por esforços similares pra nivelar o campo político doméstico e introduzir uma justiça maior no governo", diz o informe do Bird.

- Eqüidade é diferente de igualdade. Trata-se de uma distribuição justa. É a igualdade de oportunidade, levada adiante por preferências individuais, esforços e talentos, e não por circunstâncias determinadas como sexo, raça, educação dos pais, região de nascimento - disse o economista brasileiro Francisco Ferreira, um dos autores do estudo do Bird.

O Brasil, como era de se esperar, aparece no documento como um dos países que têm a maior desigualdade socioeconômica. Ele traz uma surpresa: o Chile também surge, junto com o Brasil, como uma sociedade altamente desigual (pior do em Honduras e El Salvador, por exemplo), "onde estão bem entrincheirados os privilégios para os ricos".

No Brasil, o panorama só mudará quando o governo gastar melhor, dizem os economistas do Bird:

- A carga tributária de 36% no Brasil não deve ser alterada. O que é preciso fazer é reestruturar os gastos públicos; priorizar e redirecionar esses investimentos. Eles têm de ser dirigidos às camadas mais pobres. Só dessa forma o crescimento econômico do país será efetivo e real - disse Ferreira.

De acordo com o Bird, os ricos dos países em desenvolvimento devem encarar a política de maior eqüidade como um investimento no futuro dos seus filhos e netos, uma garantia de que eles viverão numa sociedade menos violenta. Ao mesmo tempo, a instituição sugere aos países ricos que relaxem as suas normas, de forma a permitir o acesso de trabalhadores temporários de países pobres - de forma a melhorar a renda deles e de seus países de origem.

As desigualdades entre nações também estão evidenciadas nesse estudo. O Bird mostra, por exemplo, que se Luxemburgo e Nicarágua crescessem à mesma taxa anual de 2% per capita ao ano, nos próximos 25 anos a renda anual em Luxemburgo subiria US$10 mil - enquanto na Nicarágua o aumento seria de meros US$375 no mesmo período.

Bird: países ricos sempre levam a melhor

WASHINGTON. Ao avaliar as desigualdades no mundo, a equipe de economistas do Banco Mundial (Bird) chegou a uma conclusão óbvia: na hora das grandes decisões, que afetam a saúde financeira e o padrão de vida dos países em desenvolvimento, os ricos sempre levam a melhor.

"Um dos principais argumentos deste informe é que as regras e processos nos mercados globais podem ser injustos aos países em desenvolvimento", diz o estudo. Ele lembra que o poder de um país em decisões feitas, num banco multilateral como o Bird, "usualmente tem a ver com a força de sua economia". Ou seja: quanto mais rico, maior o seu poder de voto do país no Bird.

Apesar de melhorias, as desigualdades entre países permanecem "inaceitavelmente altas", diz o informe. Além de ter mais poder de voto, os ricos têm mais postos de trabalho no Bird: 2/3 das posições mais altas são ocupadas por cidadãos de países ricos, embora tenham só 1/5 da população global. (J.M.P.)

Legenda da foto: PARA BOURGUIGNON, do Bird, o acesso ao poder político é um requisito crucial