Título: Meio bilhão à véspera da eleição
Autor: Regina Alvarez
Fonte: O Globo, 24/09/2005, O País, p. 3

Governo libera verba para emendas de parlamentares cinco dias antes da sucessão na Câmara

A cinco dias da eleição para a presidência da Câmara, disputa que conta com uma participação ativa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva nas articulações políticas em defesa da candidatura governista do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), o governo anunciou ontem a liberação de R$820 milhões do Orçamento, sendo R$500 milhões para as emendas dos parlamentares. Desgastado com a crise política que se arrasta há mais de três meses e, mais recentemente, com os vetos do presidente à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), o governo abriu o caixa do Tesouro para atender à mais tradicional reivindicação dos parlamentares da base aliada.

¿ Temos o compromisso de liberar as emendas individuais dos parlamentares. O pedido feito pelo ministro Jaques Wagner (da Coordenação Política) foi R$500 milhões. Informamos ao presidente (Lula) e recebemos o sinal verde dele. Portanto, vamos procurar atender a essa demanda integralmente ¿ disse o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, que é deputado licenciado pelo PT do Paraná.

¿Só pode ser uma coincidência¿

Perguntado sobre a coincidência de a bondade palaciana ocorrer às vésperas da eleição na Câmara, o ministro respondeu:

¿ Só pode ser uma coincidência. Fazemos o relatório de avaliação todo dia 23 dos meses ímpares. Ninguém sabia que o Severino ia sair. Com certeza não tem outra explicação que não a coincidência.

Mas o senhor acha que vai influenciar na votação, perguntaram os repórteres:

¿ Nada, os deputados vão votar de acordo com suas convicções. Acho que não vai ter qualquer influência.

A própria divulgação do valor destinado às emendas foge do comportamento habitual da equipe econômica, que nos anúncios anteriores procurou desvincular a liberação dos recursos do Orçamento dos interesses políticos do governo no Congresso.

A liberação foi anunciada após a revisão de receitas e despesas do governo, feita a cada dois meses por determinação da Lei de Responsabilidade Fiscal. Desde o último relatório, a equipe econômica constatou que as receitas cresceram R$4,691 bilhões e as despesas obrigatórias subiram R$3,7 bilhões. Houve também uma redução do déficit da Previdência Social em R$395,3 milhões e uma queda na meta nominal de superávit de R$118,6 milhões.

A combinação de todos os favores permitiu ampliar os limites de gastos de custeio e investimentos em R$820 milhões, sendo R$806 milhões para o Executivo, R$2,2 milhões para o Legislativo e R$10,2 milhões para o Judiciário e R$1,6 milhão para o Ministério Público.

O ministro do Planejamento informou que outros R$500 milhões serão remanejados do Orçamento, abrindo espaço para novas despesas. As maiores demandas são das áreas de transportes e educação.

Em fevereiro, o governo bloqueou R$15,9 bilhões em despesas de custeio e investimentos e, ao longo do ano, vem adotando uma posição conservadora na liberação dos recursos, mantendo, por outro lado, o superávit primário bem acima da meta. Com o anúncio de ontem , a liberação de recursos bloqueados chega a R$2,793 bilhões, sendo R$900 milhões para emendas parlamentares. Se consideradas as emendas da área social, que não foram bloqueadas, essa soma sobe para R$1,450 bilhão.

Os vetos do presidente Lula à LDO serviram para piorar ainda mais o clima no Congresso, já desgastado pela retenção das emendas dos parlamentares. Num debate na Comissão de Orçamento, na quarta-feira, o ministro Paulo Bernardo teve noção do tamanho do descontentamento antes mesmo dos vetos. Nas intervenções, pelo menos dez parlamentares cobraram a liberação dos recursos. Depois dos vetos, os líderes da oposição declararam guerra ao governo, anunciando que nenhum projeto do seu interesse seria votado na Comissão Mista de Orçamento ou mesmo no plenário, inclusive os créditos suplementares.

Ontem, o ministro justificou os vetos à LDO afirmando que muitos pontos foram incluídos no texto sem a concordância do governo.

¿ Entendemos que o equilíbrio das contas do governo é essencial. Qualquer decisão que tenhamos tomado, inclusive os vetos da LDO, foi balizada por esses critérios. Não queremos ofender o Congresso e muito menos ofender qualquer líder oposicionista ou do governo. Queremos as condições de que as contas do governo sinalizem equilíbrio, a política econômica continue com credibilidade, porque isso está dando certo. Não dá para mudar agora ¿ disse o ministro.

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