Título: FUNDADOR E MILITANTE ILUSTRE DO PARTIDO DOS TRABALHADORES
Autor: Ciça Guedes e Toni Marques
Fonte: O Globo, 24/09/2005, O País, p. 14

Para Tarso, um exemplo de humanista; Bicudo destaca as idéias e a vida espetacular

SÃO PAULO e RIO. Sempre disposto a recomeçar, Apolonio de Carvalho estava entre os 101 brasileiros que, no dia 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion, em São Paulo, assinaram o ato de fundação do Partido dos Trabalhadores (PT). Assim como Mário Pedrosa, Antonio Cândido, Sérgio Buarque de Hollanda e muitos outros, acreditava que a esquerda precisava se renovar. Apostou que o PT seria o partido que daria voz aos excluídos.

Apolonio, então na casa dos 68 anos, considerava-se, como diz em suas memórias, ¿um velho comunista¿ surpreso com as novidades trazidas pelo PT. Acostumado à clandestinidade, espantava-se com o fato de o PT já ter sido criado como um partido ¿legal, de massas¿, na esteira do ressurgimento do movimento sindical liderado por Luiz Inácio Lula da Silva.

Em maio de 1980, Apolonio foi eleito vice-presidente do PT, com Lula na presidência. Ocupou funções executivas no partido até 1987, quando, devido à idade, não aceitou mais ser reconduzido.

Ontem o ex-presidente do PT José Genoino se emocionou ao saber da morte do companheiro.

¿ Ainda está na cabeceira da minha cama o livro ¿Vale a pena sonhar¿, a autobiografia do Apolonio. O livro é lindo. Apolonio é para mim o melhor modelo para uma esquerda libertária e humanista ¿ disse.

Agradecimento de Lula em 2002

Apolonio foi reverenciado como herói pelos petistas. Em 2002, nove dias depois da eleição que o levou à Presidência da República, Lula veio ao Rio agradecer pessoalmente o apoio ilustre dele, dos juristas Raymundo Faoro e Evandro Lins e Silva e dos economistas Celso Furtado e Maria da Conceição Tavares. Na festa dos 24 anos do PT, marcada pelo constrangimento do escândalo envolvendo o ex-chefe da Casa Civil Waldomiro Diniz, Apolonio foi um dos homenageados.

Genoino disse que ainda guarda as lembranças do encontro com Apolonio na festa de aniversário.

¿ O Apolonio foi mais do que um militante e ativista político. Ele era uma extraordinária figura humana. Apesar das dificuldades, estava sempre alegre e otimista ¿ disse.

O presidente nacional do PT, Tarso Genro, disse que a história de vida de Apolonio é um exemplo não apenas para o partido, mas para o pensamento humanista universal.

¿ Independentemente do que se pense de suas idéias, Apolonio de Carvalho foi uma figura extraordinária de brasileiro para a esquerda mundial, que enche de orgulho qualquer pessoa com preocupações humanistas. Vai fazer falta por conta de sua coragem e determinação ¿ disse Tarso.

O PT divulgou ontem uma nota de pesar pelo falecimento de Apolonio, dizendo que para ¿honrar sua memória¿ o partido vai ¿prosseguir na luta para construir um projeto democrático para o país¿.

O ex-vice-prefeito de São Paulo Hélio Bicudo, companheiro de Apolonio nos primórdios da direção nacional do PT, esteve com o amigo há pouco mais de um mês, em uma homenagem no Consulado da França em São Paulo, mas evitou falar com ele sobre a crise política atual que atinge o partido que ambos ajudaram a fundar.

¿ Seria uma impertinência, num momento de homenagem, importuná-lo tocando em feridas que consumiam tanto ele quanto eu ¿ disse.

O último comentário público de Apolonio sobre a crise no PT, feito na ocasião, foi sucinto:

¿ Não se pode confundir a parte com o todo ¿ disse.

Bicudo recordou o caráter conciliatório de Apolonio durante as discussões para a criação do PT.

¿ Ele sempre demonstrou ser uma pessoa de consenso. Apolonio expunha suas idéias com clareza, mas acatava as decisões coletivas. Para mim, é um homem tão importante pelas suas idéias quanto pela vida espetacular que teve ¿ disse Bicudo.

Otimismo foi mantido até o fim

Valter Pomar, terceiro vice-presidente do PT, candidato à presidência do partido e estudioso da história da esquerda brasileira, classificou Apolonio como um herói brasileiro.

¿ É um herói do povo brasileiro que teve uma participação importante no cenário político desde a década de 30. Apolonio é a expressão do setor democrático e nacionalista do Exército brasileiro. Foi um general do povo ¿ disse.

O pai de Pomar, Vladimir, também um histórico militante de esquerda, visitou Apolonio há pouco tempo e teve com ele uma conversa política.

¿ Ele estava preocupado, como todos nós, com a situação política, mas continuava otimista em relação ao governo Lula ¿ disse Pomar.