Título: Daniel Dantas nega ter abastecido valerioduto
Autor: Adriana Vasconcelos/Bernardo de la Peña/Demétrio W
Fonte: O Globo, 22/09/2005, O País, p. 10

Banqueiro diz ter sido pressionado por Gushiken, Cássio Casseb e também pelo governo anterior sobre fundos

BRASÍLIA. Suspeito de ser um dos responsáveis pelos recursos que abasteceram as contas de Marcos Valério, o banqueiro Daniel Dantas negou ontem ter dado dinheiro ao esquema que beneficiou partidos, entre eles o PT. Afirmou ainda, em depoimento conjunto às CPIs dos Correios e do Mensalão, que desde que o consórcio coordenado pelo Opportunity comprou a Brasil Telecom (BrT), em 1998, a empresa enfrenta pressões políticas. No atual governo, segundo Dantas, as pressões partiram do ex-ministro Luiz Gushiken e do ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb. No governo Fernando Henrique, a ingerência viria do Ministério das Comunicações e da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), o que teria forçado a BrT a pagar R$200 milhões a mais pelo controle da Companhia Riograndense de Telecomunicações (CRT), em 2000.

O Opportunity é sócio de fundos de pensão de estatais (como Previ, Petros e Funcef) e do Citibank na BrT, na Telemig Celular e na Amazônia Celular, entre outras empresas. Dantas está em litígio com os fundos desde 2000 e, este ano, o Citi rompeu com o Opportunity.

Segundo Dantas, quando Gushiken era ministro, promoveu duas reuniões (ele não sabia se no prédio da Secretaria de Comunicação de Governo (Secom) ou no próprio Palácio do Planalto) com as três operadoras de telefonia fixa (BrT, Telemar e Telefônica) que tentavam formar um consórcio para comprar a Embratel.

- Fomos pressionados pelo presidente do Banco do Brasil para abrirmos mão de todos os nossos direitos nos acordos e contratos. Ele disse que era uma posição de governo - afirmou Dantas.

Casseb e Gushiken não foram localizados pelo GLOBO.

Dantas fala em pressões ao Citi

O banqueiro disse que, diante da ameaça, procurou a direção do Citi em Nova York. Os americanos mandaram uma carta para o Banco do Brasil discordando do negócio, mas, segundo Dantas, passaram a ser pressionados pelo governo brasileiro. Tanto que o banqueiro disse ainda que quando o Citibank fechou este ano acordo com os fundos para vender suas ações na BrT em 2007, os executivos americanos teriam lhe dito que o negócio havia sido aprovado por autoridades brasileiras "em seu maior nível".

Dantas disse que desde o começo da negociação entre os fundos e o Citibank, seus associados desconfiavam de que o interesse das entidades era vender a BrT à Telemar.

- Não sei dizer se houve preferência política. Surgiram rumores de que nessa operação com os fundos poderia haver possibilidade de fusão da Brasil Telecom com a Telemar. Depois que o presidente Lula soube que seria necessária uma lei para viabilizar isso, ele mandou anunciar que não teria lei alguma - disse o banqueiro.

Dantas informou que teve duas conversas com Dirceu sobre o assunto. A primeira, depois de um telefonema marcando uma audiência que não havia solicitado com o então ministro. A segunda, após a conversa com Casseb. Neste encontro, pelo relato, Dirceu afirmou que não era aquilo que ele havia pedido a Casseb e concordou que o governo não deveria se intrometer em uma disputa societária.

O banqueiro disse nunca ter sido procurado para fazer doações ao PT. Explicou que apenas uma vez, na campanha de 2002, o diretor do Opportunity Carlos Rodenburg recebeu um kit do PT para fazer doações e devolveu.

Dantas negou ainda ter tratado do tema com Valério ou que o publicitário tenha participado da negociação entre Opportunity e Vivo para a venda da Telemig Celular. O Citibank não quis o negócio. Segundo ele, o dinheiro dado pela Telemig Celular e pela Amazônia Celular às agências de Valério foi gasto em publicidade, num total de R$145 milhões entre 2000 e 2005. Ele admite que a tese de que suas empresas pagaram a Valério para receber apoio no governo é coerente:

- Ela só não é verdadeira.

A negociação entre a BrT e a Gamecorp, empresa da qual é sócio o filho do presidente Lula Fábio Luiz Lula da Silva, também foi tratada no depoimento. Ao responder a uma pergunta da tucana Zulaiê Cobra (SP), o banqueiro admitiu que a telefônica fez proposta para comprar a empresa e que a BrT pagou despesas em restaurantes do filho do presidente durante viagem ao Japão. Depois de negociar com a BrT, a Gamecorp acabou se associando à Telemar:

- De fato, houve uma negociação com o filho do presidente Lula em torno da Gamecorp. Mas quem pagou a passagem (da viagem ao Japão) foi o filho do Lula. Confirmo as negociações, mas só fui informado delas depois. E não foram concluídas porque o preço cobrado era muito alto.

Na primeira briga societária envolvendo o Opportunity que veio à tona, o grupo, os fundos e a Telecom Itália divergiram sobre a compra da CRT. Pela versão de Dantas, os executivos ligados ao Opportunity queriam pagar US$650 milhões, mas os italianos já teriam chegado com o negócio fechado em US$850 milhões com a espanhola Telefónica.

Foi na verdade para saber se parte do dinheiro pago pela CRT havia sido desviado que a BrT teria contratado a Kroll, que na investigação obteve correspondências eletrônicas de Gushiken e filmou encontros de Casseb:

- A companhia nunca pediu para Kroll investigar alguém deste governo. Casseb foi captado no perímetro da investigação - disse Dantas.

COLABOROU Demétrio Weber

www.oglobo.com.br/pais

UM EMPRESÁRIO POLÊMICO

A história do baiano Daniel Dantas no Rio começou em 1979. Na Fundação Getúlio Vargas, era o aluno preferido do ex-ministro Mario Henrique Simonsen, que o indicou para o Bradesco, onde chegou a vice-presidente. Dantas saiu do Bradesco junto com Antonio Carlos de Almeida Braga e foi administrar a fortuna dele no Banco Icatu, criado em 1986. O Icatu prosperou e Dantas acabou deixando o negócio. Foi então que criou o Opportunity, em meados da década de 90.

Também foi Simonsen quem apresentou Dantas a Fernando Collor de Mello - e o banqueiro chegou a ser sondado para ministro. Com esse currículo de gênio das finanças, ele passou a ser conhecido, no entanto, pelas polêmicas. Meses depois do leilão do Sistema Telebrás, em 1998, vieram à tona escutas telefônicas que flagraram negociações feitas antes da privatização: o então ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, articulava, entre outros assuntos, benefícios ao Opportunity para participar da compra das empresas - num episódio que ficou conhecido como o "grampo do BNDES".

Para as privatizações da década passada, o Opportunity montou fundos de investimentos com dinheiro de fundos de pensão e do Citigroup. Pela estrutura desses fundos de private equity, o investidor colocaria o dinheiro e o gestor seria o Opportunity, com pouca participação acionária. Em 2000, as relações começaram a azedar. Os fundos de pensão entraram na Justiça alegando poder excessivo do gestor, que retrucava que os investidores não deveriam interferir na condução das empresas.

Em 2003, os fundos de pensão conseguiram destituir o Opportunity do private equity CVC. Este ano, o Citi, que até então apoiara Dantas em todas as brigas, fez o mesmo. Agora Citi e fundos de pensão estão finalizando a tomada de controle das empresas geridas pelo Opportunity, como o Metrô do Rio, a Brasil Telecom (BrT), a Telemig Celular e a Amazônia Celular.

O Opportunity brigou também com outro sócio, a Telecom Italia, por causa do preço que a BrT pagou pela CRT. Este ano, no entanto, os dois entraram em um acordo para o Opportunity vender sua parte na BrT aos italianos.

Em 2004, o Opportunity saltou das brigas societárias para um grande escândalo político: descobriu-se que a empresa de espionagem Kroll fora contratada pela BrT para investigar a Telecom Italia. Foi rastreado até o e-mail do ex-ministro Luiz Gushiken.

Legenda da foto: DANIEL DANTAS: "Fomos pressionados para abrirmos mão de todos os nossos direitos nos acordos e contratos