Título: Em causa própria
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 04/11/2004, O país, p. 3

Depois de quatro meses de pouco trabalho e diante de uma pauta de projetos importantes atravancada no Congresso, os parlamentares voltaram a Brasília com uma preocupação: aumentar seus salários. Deputados do chamado baixo clero, que compõem a maioria da Casa, estão pressionando a Mesa Diretora para que sejam incorporados aos vencimentos o reajuste de 15% que deverá ser concedido na próxima semana aos servidores ativos e inativos do Congresso.

O presidente da Câmara, João Paulo Cunha (PT-SP), confirmou ontem à noite a deputados que deve autorizar o repasse do reajuste. A decisão será discutida em reunião conjunta das mesas diretoras. João Paulo argumenta que o reajuste é legal, porque não é aumento real, mas correção das perdas prevista na Constituição para o servidor público.

O fato já está causando constrangimento entre os dirigentes da Câmara e do Senado. As votações no Congresso estão praticamente paralisadas desde julho, quando teve início o recesso branco devido às eleições municipais. Aguardam decisão dos parlamentares propostas como a Lei de Biossegurança, o projeto que cria as Parcerias Público-Privadas (PPPs), a nova Lei de Falências e a conclusão da reforma do Judiciário, entre dezenas de medidas provisórias.

João Paulo e o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), reuniram-se ontem à noite para discutir uma forma de retomar as votações. Trataram também da reivindicação salarial, que poderá piorar o clima para negociação, mas preferiram evitar declarações públicas sobre o assunto. Ontem, o site da Câmara chegou a anunciar o reajuste salarial de 15% para os servidores, mas como João Paulo não havia assinado a medida, a notícia foi tirada do ar às pressas.

¿ Esse pessoal é muito apressado. Não assinei nada ainda. Mas é um direito dos servidores reivindicar o aumento ¿ disse João Paulo ao sair do encontro com Sarney.

Folha passará para R$ 4,025 bilhões

Caso as mesas diretoras decidam dar o reajuste para os cerca de 30 mil servidores (ativos e inativos), ele significará um acréscimo na folha anual do Legislativo dos atuais R$ 3,5 bilhões para R$ 4,025 bilhões.

A polêmica, porém, será sobre a oportunidade de pegar carona no reajuste dos servidores. Com isso, o salário de deputados e senadores pularia de R$ 12.720 para R$ 14.628. Como o reajuste salarial dos servidores pode ser autorizado por um ato da Mesa, a medida não precisa passar por votação no plenário, ainda que o aumento seja estendido a parlamentares.

O segundo-secretário da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), um dos sete integrantes da Mesa Diretora, confirma que o tema será discutido na reunião do grupo na próxima semana e que esta é uma reivindicação de parcela significativa dos deputados.

¿ Esta é uma reivindicação legal e justa. O reajuste de 15% para os servidores vai ser extensivo aos congressistas. A Constituição determina a igualdade de reajuste dos vencimentos ¿ disse Severino, explicando:

¿ Nossos salários são muito baixos e nossas despesas, altíssimas. O deputado não pode viver nessa penúria ¿ defendeu ele, porta-voz do baixo clero há mais de uma década.

Mas entre os integrantes da Mesa Diretora essa não é uma posição consensual. O vice-presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira (PFL-PE), rebateu a proposta de Severino.

¿ O reajuste para os servidores deve sair na próxima semana, mas de forma alguma deverá ser repassado aos deputados ¿ afirmou o pefelista.

¿ É inadmissível discutir um aumento para os deputados. Isso vai atrair para o Congresso a ira da opinião pública. Temos um salário satisfatório ¿ acrescentou o deputado Walter Pinheiro (PT-BA).