Título: Saindo do coma
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 25/09/2005, O Globo, p. 2

O governo está achando que saiu das cordas ao lançar a candidatura de Aldo Rebelo à presidência da Câmara. Há quem ache que foi apenas mais um erro. Por outras razões também a respiração governista já não anda tão arquejante. Acham que foi contida a queda na avaliação do presidente e do governo, que os cacos da base parlamentar estão se juntando aos poucos e que a crise montou praça no Legislativo.

É muito cedo para se avaliar os estragos deixados pelo furacão mas é certo que o governo começou a recuperar a desenvoltura política. Para juntar os cacos da base, vem aí uma boa cola, a liberação de R$500 milhões em emendas parlamentares. A iniciativa é desgastante mas pode influir na disputa da presidência da Câmara, embora o candidato da oposição, Thomaz Nonô, tenha largado bem e a base continue rachada.

O governo aponta as acusações de Rogério Buratti contra o ministro Palocci como o último golpe sofrido no plano das denúncias. Depois daquela entrevista coletiva do ministro veio o caso Severino, deslocando a crise para o Legislativo. Receia o que ainda possa ocorrer na CPI dos Bingos, onde a oposição dominante faz o que bem entende, mas acha que a dos Correios perde o fôlego na medida que não consegue esclarecer a origem do dinheiro do valerioduto, provando que houve desvio de recursos públicos.

Depois do baque de dez pontos percentuais, a aprovação do governo estabilizou-se em 45% mas enfrenta uma reprovação de 49%, de acordo com a última pesquisa CNI-Ibope. Um grave déficit, que tem clara origem na perda do capital simbólico, pois a economia deslancha, esnobando a crise. Os indicadores de confiança no presidente e de aprovação de seu desempenho também se estabilizaram mas em patamares críticos, bastante inferiores, por exemplo, aos índices de Fernando Henrique faltando o mesmo tempo para o pleito em que se reelegeu. Mesmo assim, o astral no Planalto mudou, já não se fala mais em desistência da reeleição.

Mas ainda há turbulência à vista. Se o governo ganhar a presidência da Câmara com Aldo Rebelo, terá saído do porão parlamentar. Mas se perder, depois de medir forças com a oposição, já não terá controle algum sobre a agenda legislativa na Câmara. Viverá de medidas provisórias e ainda terá que negociar o conteúdo de cada uma. Este ano ainda terá que aprovar o último orçamento do mandato de Lula.

E há o fator PT, com a nova configuração interna em que a esquerda adquiriu novo peso, ainda que o campo moderado continue dirigindo o partido.

Mas se não for a visita da saúde, aquela que vem antes do pior, o governo pode estar mesmo saindo do estado comatoso em que entrou desde o estouro da crise, ao ponto de piorá-la sempre que tentava alguma intervenção. Agora faz esta jogada de risco, indo ao confronto para recuperar a presidência da Câmara.

Coligação do mensalão

Costurava-se na sexta-feira à noite o seguinte acordo para a disputa da presidência da Câmara: o candidato João Caldas (PL) sairia do páreo amanhã, juntamente com Luiz Antonio Fleury, candidato do PTB. Ambos apoiariam o severinista Ciro Nogueira, do PP, o príncipe herdeiro do baixo clero. Acreditam que Ciro pode desbancar Aldo Rebelo, o candidato da base governista, indo ao segundo turno contra o oposicionista Thomaz Nonô, do PFL.

Ocorre que a bancada do PP já aprovou oficialmente a candidatura de Francisco Dornelles. Se esta ¿coligação do mensalão¿ se viabilizar, será boicotada por Dornelles e seus apoiadores no PP. Eles decidiriam depois se manteriam a candidatura como avulsa ou apoiariam logo Nonô.

Por estas e outras é cedo ainda para qualquer previsão.

Vendeu e não entregou

Na busca pela origem do dinheiro do valerioduto, o deputado Gustavo Fruet, coordenador de movimentação financeira da CPI dos Correios, diz que será mais bem investigada agora a versão de que Marcos Valério recebeu adiantamentos do Banco Rural por um negócio que iria ¿facilitar¿ (com o tráfico de influência do PT): o fim da intervenção no Banco Mercantil de Pernambuco e sua entrega ao Rural, seu sócio em 20%. O problema, disse ele aqui na coluna na sexta-feira, é que o Banco Central nega ter recebido gestões neste sentido.

Pois o Banco Central, na sexta-feira, informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que Delúbio e Dirceu não fizeram pressões mas que Valério lá esteve tratando do assunto. Antes dele, quem apareceu por lá em abril de 2003, acompanhado de um diretor do Rural, foi o deputado Virgílio Guimarães. Mas não tratou da intervenção, queria discutir seu projeto sobre a independência do BC. Virgílio apresentou Valério a Delúbio, como é sabido.

Valério apareceria sozinho em 11 de novembro, como representante do Rural, para saber do estado da liquidação do Mercantil. Reuniu-se com o diretor de Liquidações, Gustavo Vale e sua equipe. Voltou em 25 de novembro para nova conversa com o consultor Marcos Belém, com quem tomou informações ainda em 2 de dezembro e em 17 de fevereiro de 2004. Em todas, ouviu que o BC não concordaria com a devolução dos títulos em garantia aos antigos donos do Mercantil e do Econômico.