Título: QUEREM BLINDAR A PIZZARIA
Autor:
Fonte: O Globo, 25/09/2005, O País, p. 15

Congresso do mensalão. Não vai prender nenhum ladrão.¿ (Grito de manifestantes na galeria da Câmara dos Deputados.) ¿Eu xinguei primeiro. Chamei ele de ladrão e bandido, que merecia estar na mesma cela que o Maluf. Eu o xinguei como cidadão que paga impostos altos¿. (Explicação do representante comercial Geraldo à repórter Monica Bergamo. Ele trocou tapas com o ex-prefeito Celso Pitta numa padaria de São Paulo.)

Tem gente no mundo da Lua, onde a rua não ronca. Circula no Congresso uma trapaça destinada a esterilizar a lei que impedirá a transferência de dinheiro da Viúva e do tempo dos contribuintes para partidos sem votos. Enquanto a escumalha briga para evitar que assem uma pizza, deputados de todos os partidos trabalham para blindar a pizzaria.

A leitura do próximo parágrafo, muito chato, exige uma dose de patriotismo:

Em 1995, o Congresso votou uma lei pela qual a partir da eleição de 2006 os partidos só teriam acesso a recursos públicos e aos programas eleitorais gratuitos se preenchessem duas condições. Precisariam conseguir 2% dos votos válidos em pelo menos nove estados e, na soma de todos os seus votos, deveriam ter mais de 5% do eleitorado nacional. Coisa de cinco milhões de votos. Em 2002, nove dos 28 partidos existentes conseguiram saltar esse obstáculo. Os 2% exigidos em um terço dos estados equivalem a 180 mil votos no Rio, ou 36 mil em Alagoas. Grosseiramente, é o que precisa um candidato para se eleger deputado federal à própria custa.

Sobreviveriam ao rebaixamento sete ou oito dos 15 partidos com representação na Câmara de hoje. Estão na zona de perigo as siglas do PCdoB, o PPS e o Partido Verde. Fazem companhia ao PTB e ao PL, cujas bancadas praticamente dobraram durante a vigência do mensalão. Seus presidentes, Valdemar Costa Neto e Roberto Jefferson ficaram sem mandato e deixaram o Parlamento levando consigo histórias de grandes traficâncias.

A lei do rebaixamento deu todo o tempo do mundo aos partidos para buscar eleitores. Realizaram-se duas eleições e o jogo só começa depois da terceira, no ano que vem. Quem não passar pelas barreiras mantém o registro e os mandatos. Os partidos continuam existindo e podem ir buscar mais votos em 2010.

O rebaixamento implica perda de algumas prerrogativas físicas e regimentais na Câmara dos Deputados, mas essa parte dói menos. O que os partidos não querem perder é o acesso ao dinheiro do Fundo Partidário, bem como a audiência dos programas gratuitos de rádio e televisão. Quem passa pelas duas barreiras partilha 99% dos recursos do Fundo (R$121 milhões neste ano). Quem atola racha 1% da verba, o que pode significar um trocado de R$30 mil para cada sigla.

Estabelece-se também uma diferença na duração dos programas eleitorais partidários, como esses que têm aparecido no horário nobre. Hoje cada partido com representação parlamentar ganha um espaço semestral de 20 minutos, mais 80 minutos anuais para breves inserções publicitárias. Quem cair no rebaixamento ficará com quatro minutos anuais, mais nada.

Se o mensalão teve força para transformar o PL, com 26 deputados produzidos pelas urnas, na sexta bancada da Câmara, com 48 cadeiras, deve-se dar aos eleitores o direito de julgá-lo. A principal manobra destinada a esterilizar a lei do rebaixamento é a invenção de uma figura chamada federação de partidos. Juntam-se o PTB e o PL. Fulanizando: o instinto de sobrevivência junta Roberto Jefferson e Valdemar Costa Neto, eles armam uma federação, ganham acesso ao dinheiro público, ao tempo de TV e dividem-no irmãmente. Dificilmente dividirão outros benefícios mas essa é outra história.

Uma armação subsidiária tenta baixar a altura dos obstáculos. A manobra tem simpatias em todos os partidos. Lula diz que ¿o Brasil precisa corrigir as distorções do seu sistema partidário eleitoral, fazendo urgentemente a tão sonhada reforma política.¿ O Brasil precisa, mas Lula e seu PT namoram o apoio parlamentar que poderá resultar da blindagem da pizzaria.

Política estraga o futebol, mas o futebol não estraga a política. Com zona de rebaixamento o Congresso melhora, como melhorou o Brasileirão.