Título: DEPOIS DE 115 ANOS, A VOZ DA BOVESPA SE CALA
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 25/09/2005, Economia, p. 36

Pregão ao vivo deixará de existir na próxima sexta-feira. Negócios serão fechados apenas no sistema eletrônico

Na próxima sexta-feira, Gerardo Guimarães Junior, o JR, escutará pela última vez a campainha que anuncia o início e o fim dos negócios no pregão viva-voz da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Após 115 anos, no dia 30 de setembro, às 16h45m, as negociações ao vivo, na sede da Bolsa, deixarão de existir. O avanço a passos largos da tecnologia ¿ que fez com que os negócios fechados por operadores de pregão como JR respondessem hoje por apenas 0,14% do total da Bolsa ¿ determinou o fim do viva-voz. Há dez anos, o barulho da campainha competia com os altos decibéis produzidos pelos mais de 1.200 operadores que se acotovelavam no pregão. Na última quinta-feira, restavam cerca de 40 e nenhum grito.

¿ Quando ouvir a campainha, minha voz vai se calar. A voz da Bolsa, que é a de todos nós, vai se calar. Será o fim de 22 anos de história no chão da Bovespa ¿ diz Juarez Caldeira, de 43 anos.

O chão, como ele diz, é o pregão viva-voz. Foi lá que JR, de 39 anos, trabalhou nos últimos 12 anos. Os nove anos anteriores foram na Bolsa de Valores do Rio (BVRJ), onde o viva-voz já virou passado:

¿ Ver a história se repetir é muito triste. Mas foi uma morte anunciada. Nos últimos anos, a gritaria do pregão deu lugar ao bate-papo, ao marasmo e a uma sensação de nostalgia enorme quando lembramos dos tempos áureos, do glamour que a Bolsa já teve um dia.

Raymundo Magliano Filho, presidente da Bovespa, diz que o encerramento do viva-voz foi inevitável:

¿ O grande charme, a alma da Bolsa, chegou ao fim, mas não havia outro caminho. Com o crescimento acelerado do sistema eletrônico, o pregão esvaziou. Percebendo esse movimento, nos últimos anos começamos a treinar alguns operadores para atuar no programa ¿Bovespa vai até você¿, de democratização do mercado. Também trabalhamos na recolocação deles nas corretoras (eles são contratados das corretoras mas trabalham na Bolsa). Dos mais de mil, 750 foram absorvidos em dois anos.

Viva-voz já acabou na Europa e pode acabar em NY

Comenta-se no pregão que, dos cerca de 40 operadores, 17 ainda não sabem como serão aproveitados pelas corretoras e cinco vão se aposentar. O restante já tem emprego garantido quando deixar o pregão. É o caso de JR e Juarez.

¿ Vou para a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F, onde são negociados contratos agrícolas e de projeções de Bolsa, juros e câmbio), um mercado muito diferente. É um desafio. O que nos tranqüiliza um pouco é que a Bolsa vai tentar arrumar emprego para os que não voltarem para suas corretoras ¿ afirma JR, que, nos 12 anos de pregão, perdeu 30% da audição e desenvolveu calos nas cordas vocais.

Juarez também já tem destino certo: vai trabalhar na mesa de operações da corretora, atendendo a clientes e fechando negócios no eletrônico, onde a compra e a venda de ações é feita online. Magliano diz que só cinco ficarão sem emprego:

¿ São funcionários que tentamos absorver, mas não aceitaram as ofertas de mercado.

Segundo Alan Gandelman, diretor da corretora Ágora Senior, o fim do viva-voz é uma tendência que veio para ficar:

¿ Aconteceu nas principais bolsas da Europa e está para acontecer na Bolsa de Nova York. O futuro é eletrônico.

Não foi a tecnologia, mas sim um escândalo e um plano econômico que selaram o fim da Bolsa do Rio.

¿ Foram dois golpes fatais, um em 89 e outro em 90: o caso Naji Nahas e o confisco da poupança no Plano Collor. Com isso, o mercado no Rio murchou ¿ lembra Cláudio Paes, operador da Ágora que, após 27 anos no pregão, voltou há um ano para a corretora, onde hoje fecha negócios pelo computador.

Quando o salão do viva-voz fechar as portas, na sexta-feira, a Bovespa dará início a uma ampla reforma para transformar o espaço em um local de visitação pública, voltado à formação dos investidores, com cursos gratuitos. Serão gastos R$2,5 milhões até 25 de janeiro, quando o novo ambiente será inaugurado como parte das comemorações do aniversário da cidade de São Paulo.

Salão vai virar espaço de educação financeira

Os investidores terão, então, uma mesa de operações para simulação de negócios no sistema eletrônico, museu interativo sobre a história do mercado de capitais brasileiro, três salas de atendimento para corretoras e um auditório de 70 lugares para cursos e palestras sobre o mercado.

¿ A Bolsa vai ficar aberta sete dias na semana ¿ adianta o presidente da Bovespa.

Para Juarez, o espaço será a sombra dos bons tempos:

¿ Vou lembrar do auge, com o pregão lotado, ensurdecedor. Isso é o que fica.

Volume de operações online começou a ultrapassar o do viva-voz em 2000

De 50% do total em 1999, pregão na sede da Bolsa caiu para 0,14% hoje

Foi uma morte anunciada. Desde 2000 o pregão viva-voz vinha encolhendo rapidamente em relação aos negócios fechados no sistema eletrônico (o chamado megabolsa): os quase 50% das operações em 1999 se transformaram em 11,19% dois anos depois. A agilidade do sistema eletrônico transformou-o no preferido das corretoras e investidores. Os negócios, que movimentavam apenas 30,5% do total da Bolsa em 1998, superaram os 90% em 2002. Hoje, o viva-voz responde por apenas 0,14% dos negócios, contra 99,86% do sistema eletrônico.

¿ Uma ordem de compra ou venda no megabolsa leva menos de um segundo. No viva-voz, entre o operador apregoar a operação, ver um potencial comprador e ainda preencher o boleto, pode levar mais de um minuto. É uma vantagem comparativa sem igual. Os investidores, então, passaram a fechar mais negócios no sistema eletrônico e ganharam agilidade, fundamental para não se perder excelentes negócios no mercado. Trocaram um fusca por uma BMW ¿ explica André de Marco, gerente de Operações de Renda Variável da Bovespa.

O economista Carlos Gazal investe em Bolsa há dez anos. Há sete acompanha os negócios na sede da Bovespa, onde acompanha notícias, gráficos e cotações em tempo real. Suas operações, no entanto, são fechadas no eletrônico, por meio da corretora Ágora Senior:

¿ O eletrônico me deu mais rapidez para fechar negócios. Mas é frio. Vai ficar a saudade do charme do viva-voz. (Patricia Eloy)