Título: `SERÁ UMA ELEIÇÃO HISTÓRICA¿
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 25/09/2005, O Mundo, p. 44

Líder cocaleiro diz que é hora de saldar dívida com indígenas

LA PAZ. Depois de ficar em segundo lugar nas eleições presidenciais de 2002, o deputado do Movimento ao Socialismo (MAS) e líder cocaleiro Evo Morales garante que vencerá as eleições de 4 de dezembro. ¿Será uma eleição para saldar a dívida histórica com nossos indígenas originários¿, disse Morales ao GLOBO, na sede do Congresso boliviano. Ele acusou os EUA e os partidos tradicionais bolivianos de estarem armando uma campanha para impedir sua chegada ao poder.

Pesquisas indicam que o senhor tem chances de vencer as eleições...

EVO MORALES: As pesquisas que temos indicam que teremos cerca de 40% dos votos, contra 20% de Quiroga. Sentimos uma grande alegria, porque as pesquisas sempre nos colocavam em segundo ou terceiro lugar. No entanto, não acredito nas pesquisas. Em 1998, quando pela concorremos pela primeira vez à Presidência, nos davam 1% e quase superamos 4%. Em 2002, nos davam 6% e superamos 20%. Foi preciso um acordo de cinco partidos para que não chegássemos ao poder. Nos roubaram essa eleição, mas agora estamos em primeiro e vamos vencer.

Essa hipótese não é vista com bons olhos pela Casa Branca...

MORALES: Casa Branca? Aqui não existe Casa Branca.

Nos Estados Unidos...

MORALES: Bem, estamos preparados para tudo. Já usaram um irmão meu, Hugo Morales, que foi embebedado e depois gravaram uma conversa na qual ele falava mal de mim. Tenho informações muito graves, pessoas que dizem que vão revelar onde está o arsenal de Evo Morales. O que vão fazer? Tentar mostrar dinheiro, drogas em minha casa. Já me acusaram de ter bloqueado o país e não deu certo. Agora tentaram vincular-me ao narcotráfico e à corrupção. Meus inimigos estão se preparando, com a condução dos EUA. Uma guerra suja comandada por uma tal Condoleezza, que anda dizendo que Evo é da máfia cocaleira, que recebe dinheiro de Chávez, de Fidel. Não temos medo das ameaças dos EUA.

O senhor não nega sua amizade com esse presidentes.

MORALES: Não, admiro Chávez. Estive recentemente em Caracas. Com menos de US$2 se enche o tanque de gasolina. Aqui gastamos US$40. Lá ele subvenciona o povo e aqui subvencionamos as multinacionais. Por isso os admiro, mas também sou amigo do presidente Lula e queremos aprender do Brasil como melhorar nossa técnica no setor agrícola.

O senhor se sente mais próximo a Lula do que a Chávez?

MORALES: A todos, mas especialmente ao povo. Não se trata de importar princípios nem programas, trata-se de governar para o povo. Mas me sinto muito unido a Lula, que vem da luta sindical, assim como venho da luta dos trabalhadores rurais. Seus pais eram analfabetos como os meus. Não terminei o segundo grau e jamais tive uma empregada. São muitas coincidências e por isso o considero como um irmão mais velho.

Como seria o governo do primeiro presidente indígena?

MORALES: Esta será uma eleição para mudar a História boliviana. Uma disputa pelo poder, para ver se continuaremos sendo governados por 50 ou cem famílias ou se a maioria do país será governo. Será uma eleição para saldar a dívida com nossos indígenas originários. Buscaremos igualdade, justiça, porque não queremos atacar ninguém, queremos igualdade.

Setores temem que um governo seu afaste investimentos...

MORALES: Dizem muitas coisas. Dizem que vou confiscar bens privados, empresas. Os empresários honestos serão respeitados. Mas alguns empresários usaram dinheiro do Estado e essa é a mafia política. Com isso não estamos de acordo. Respeitaremos os que tiverem terras produtivas. As terras ociosas devem ser entregues ao Estado. Mas queremos e precisamos dos investimentos estrangeiros.

O que o senhor faria em relação aos recursos energéticos?

MORALES: Queremos industrializar nossos hidrocarbonetos e a grande questão é como. Em alguns casos serão parcerias entre Estado e empresas privadas, em outros cooperativas. Se formos sócios, o lucro terá de ser compartilhado, 50% para cada um. O mesmo vai acontecer com a terra e a agropecuária. O Estado deve exercer seu direito de propriedade. Por lei, os hidrocarbonetos são do Estado e devemos exercer nossos direitos.

Seu partido vai insistir em elevar a 50% os royalties pagos pelas companhias petrolíferas?

MORALES: Sim, quando formos maioria modificaremos a lei de hidrocarbonetos. Com o dinheiro do gás industrializaremos o campo. (J.F.)