Título: DIFERENÇAS À FLOR DA PELE NO CAMINHO DAS URNAS
Autor: Janaina Figueiredo
Fonte: O Globo, 25/09/2005, O Mundo, p. 44

Indígenas têm chances de chegar à Presidência da Bolívia pela primeira vez, mas analistas prevêem conflito com elite

LA PAZ. Quatro meses depois de ter sido cenário de uma dramática crise política, a Bolívia vive uma intensa campanha eleitoral que reflete a permanência de divisões históricas e cada vez mais profundas. Se o calendário eleitoral não sofrer alterações, no próximo dia 4 de dezembro oito candidatos disputarão a Presidência do país. Mas pesquisas divulgadas recentemente em La Paz mostraram que a verdadeira queda-de-braço será entre o deputado do Movimento ao Socialismo (MAS) e líder cocaleiro, Evo Morales, e o ex-presidente Jorge Quiroga, à frente da aliança de centro-direita Poder Democrático e Social (Podemos).

Pesquisas põem Morales à frente

Pela primeira vez na História do país, um político de extração indígena tem grandes probabilidades de chegar ao poder. De acordo com pesquisa realizada pela empresa de consultoria Apoio, Opinião e Mercado, Morales está em primeiro lugar, com 28% das intenções de votos, contra 22% de Jorge Quiroga, chamado pelos bolivianos de Tuto. O magnata Samuel Doria Medina, do partido Unidade Nacional, está em terceiro lugar com 19%. Os demais candidatos não chegam a 10%. Analistas locais ouvidos pelo GLOBO disseram que o panorama é complexo.

¿ Morales na Presidência conformará um cenário de conflito, pois a direita vai conspirar e não vai deixá-lo governar. Mas Morales fora da Presidência também será complicado, porque os movimentos sociais podem endurecer suas posições e mobilizar-se contra o novo governo ¿ explicou Juan Ramón Quintana, diretor do Observatório sobre Democracia e Segurança. Na opinião dele ¿seja qual for o resultado, haverá risco de violência no país¿.

¿ O MAS está em primeiro lugar nas pesquisas e isso se relaciona diretamente com a crise de credibilidade envolvendo os partidos políticos tradicionais ¿ enfatizou Quintana.

Nos últimos dois anos e meio o país teve três presidentes. Depois de juntar-se aos seus piores inimigos para ser eleito pelo Congresso em meados de 2002, o ex-presidente Gonzalo Sánchez de Lozada (que se elegeu com a diminuta vantagem de 2% em relação a Morales, na eleição direta nas urnas) foi expulso do poder em outubro de 2003, em meio a uma revolta popular com mais de 30 mortos. Lozada, que já governara o país na década de 90, adotou duras medidas de ajuste econômico, repudiadas pelos movimentos sociais. Seu vice, o jornalista Carlos Mesa, assumiu o poder sem apoio político e terminou renunciando em junho passado, também pressionado por protestos e bloqueios que praticamente paralisaram o país. Desde então, a Bolívia é governada por Eduardo Rodríguez, jurista de prestígio que deixou o Supremo Tribunal de Justiça para assumir a chefia do governo.

Candidatos não representam maioria, diz analista

Os políticos tradicionais são rejeitados pela ampla maioria da população.

¿ A Bolívia tem um grande problema, além de tantos outros, o fato de que os dois candidatos com mais chances de vencer não representam a maioria da população. Morales não chega a 30%. Mas a questão é que ainda não surgiram alternativas de consenso ¿ declarou Roberto Barbery, analista independente e ex-ministro de Participação Popular do governo Mesa.

Será uma luta entre pobres e ricos, brancos e indígenas. A questão é saber se o país sairá ganhando ou se, mais uma vez, mergulhará numa crise de conseqüências imprevisíveis.