Título: JUSTIÇA ELEITORAL?
Autor: MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE
Fonte: O Globo, 26/09/2005, Opinião, p. 7

Acorrupção que permeia no governo brasileiro foi travestida para se transformar em crime meramente eleitoral. Como são tidos como crimes de menor potencial ofensivo, e as punições são mais brandas, o suborno, o mensalão, o desvio de dinheiro público, o superfaturamento e a propina se tornaram, confessadamente, meros repasses para o financiamento de campanhas eleitorais. Como se irregularidade não houvesse. A desfaçatez é tanta a ponto de atribuírem a falecidos a responsabilidade por gastos eleitorais custeados por ¿doações¿ que jamais serão confirmadas ou desmentidas.

O surpreendente é que a confissão de crimes eleitorais se tornou a válvula de escape para todos os tipos de delitos. E que, apesar de as confissões terem jorrado escancaradamente, nenhuma punição foi aplicada aos partidos políticos, aos seus dirigentes, ou aos candidatos beneficiados. Ou seja, é permitido praticar impunemente qualquer crime, desde que seja para financiar campanha eleitoral.

O Brasil vive um momento de perplexidade. A Justiça Eleitoral deve ser respeitada, e para tanto tem que se fazer respeitar.

É certo que os recursos são escassos, que as formas de fiscalização são ineficazes, e que a legislação é imprecisa e tolerante. Contudo, tais limitações não se aplicam ao momento atual. As provas e evidências não precisam ser investigadas. Caíram no colo da lei ao serem confessadas em série nos bem ensaiados depoimentos nas CPIs.

O ex-secretário da Receita Federal, o competente Everardo Maciel, vem assessorando o TSE em uma proposta que visa reformular os procedimentos. A idéia é fazer com que o TSE exija que todas as contribuições e despesas sejam realizadas exclusivamente em cheque. Aproveito a oportunidade para complementar esse projeto.

Proponho que todas as contas de campanha, ainda que de titularidade dos candidatos, sejam geridas pelo próprio TSE, que emitiria todos os cheques de pagamentos após a devida autorização dos candidatos. Qualquer despesa de campanha realizada sem a cobertura do respectivo cheque emitido pelo próprio TSE implicará a imediata cassação do registro da candidatura.

Em suma, o TSE passaria a ter o controle dos valores recebidos e de todos os pagamentos efetuados. O caixa dois desapareceria. Os gastos irregulares seriam praticamente inviabilizados.

Outro aspecto inaceitável é a omissão do Congresso na aprovação da reforma eleitoral. Não há como aceitar a continuidade de um sistema que distancia o eleitor de seu representante, e que torna a disputa eleitoral um torneio para premiar os que detêm maior poderio econômico.

O país exige respostas convincentes: afinal, onde está a Justiça Eleitoral? Por que não age? Por que não pune? E até quando deve a sociedade fingir que acredita que tudo o que está sendo revelado são apenas crimes eleitorais?

MARCOS CINTRA CAVALCANTI DE ALBUQUERQUE é secretário das Finanças de São Bernardo do Campo (SP). E-mail: mcintra@marcoscintra.org