Título: O APETITE QUE NÃO CESSA
Autor: Regina Alvarez e Mariza Louven
Fonte: O Globo, 26/09/2005, Economia, p. 15

Apesar da privatização, carga tributária saltou de 23,8% para 36% do PIB desde 1985

Objetivo de tornar o Estado mais enxuto e capaz de prestar bons serviços à população, alardeado pelos defensores da privatização, na prática, não se concretizou. Mesmo com a venda das estatais ¿ eram 258 em 1988, hoje são 137 ¿ o peso do Estado na economia aumentou. Foi turbinado pela elevação da carga tributária, enquanto as despesas de custeio e investimentos (que incluem os gastos públicos em áreas prioritárias como saúde, educação, segurança e infra-estrutura) se mantiveram inalteradas em relação ao Produto Interno Bruto (PIB, o valor dos bens e serviços produzidos no país a cada ano).

Apesar de ter avançado sobre a riqueza nacional via aumento da carga tributária ¿ que equivalia a 23,8% do PIB em 1985 e já chega a 36% ¿ o Brasil é um dos campeões mundiais em desigualdade social, medida pelo Índice de Gini, informa o economista Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e hoje presidente do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB). A proporção de impostos sobre o PIB brasileiro é equivalente à média dos países ricos da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Mas o coeficiente de Gini equivale ao de nações como Índia, México ou Peru.

¿ O Estado não encolheu e a prova disso é o aumento da carga tributária ¿ afirma o economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Os defensores da privatização argumentam que os recursos obtidos com a desestatização contribuíram para evitar um crescimento ainda maior da dívida pública e do peso dos juros sobre ela. Já os críticos ponderam que a política de juros altos e outros equívocos na condução econômica, nos últimos dez anos, fizeram o patrimônio público virar pó, sem que a população pudesse usufruir de um Estado mais enxuto e voltado para a prestação de serviços.

Receita aumentou, mas gasto de custeio, não

Entre 1994 e 2002, o governo arrecadou R$73,1 bilhões com a privatização. Quase a totalidade (96%) dos recursos foi usada para amortizar a dívida pública. Mas as crises econômicas e os efeitos das políticas monetária e cambial acabaram comprometendo esse esforço. A dívida líquida do setor público, que equivalia a 30,5% do PIB em dezembro de 1995, está em 51,3%. Em reais, passou de R$208,4 bilhões para R$971,7 bilhões em dez anos.

¿ Estamos em situação pior do que na década de 90. O dinheiro não ajudou a melhorar, por exemplo, áreas prioritárias como saúde, segurança e educação ¿ afirma o professor Ricardo Piscitelli, do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB).

Um estudo da Consultoria de Orçamento da Câmara dos Deputados também mostra que o aumento da participação do setor público na economia ¿não significou necessariamente a ampliação ou melhoria na prestação do serviço público¿. O levantamento, assinado pelo consultor Eugenio Greggianin, mostra que as receitas primárias da União, que não consideram ganhos financeiros, pularam de 18,5% em 1995 para 24,7% do PIB este ano, enquanto as despesas de custeio e investimento se mantiveram em um patamar equivalente a 4% do PIB.

Segundo Marcos Lisboa, o orçamento social do governo federal aumentou e, hoje, responde por quase 60% do gasto público social total (incluindo estados e municípios). Parte da expansão foi destinada às transferências de renda para famílias pobres, por meio do programa Bolsa Família, que segundo ele tem sido bastante eficiente em alcançar os pobres.

Por outro lado, aumentaram as despesas previdenciárias, que em 2004 já representavam mais de dois terços do orçamento social. O problema, explica Lisboa, é que o impacto redistributivo da Previdência Social no Brasil é limitado. Primeiro, porque os mais pobres têm pouco ou nenhum trabalho formal. Portanto, em geral não são cobertos pelo sistema. Segundo, porque está associado à estrutura etária da população, ainda jovem.

COLABORARAM Eliane Oliveira e Enio Vieira