Título: A queda continua
Autor: Míriam Leitão e Débora Thomé
Fonte: O Globo, 23/09/2005, Economia, p. 24

O Banco Central indicou na Ata do Copom que os juros vão continuar caindo, mas avisa lá que talvez seja necessária uma política monetária mais ativa para garantir a trajetória de curto prazo da inflação. Quer dizer: vai devagar com o andor. O presidente do BNDES, Guido Mantega, acha que os juros deveriam cair e o Banco Central deveria mudar a composição dos títulos da dívida.

Guido acha que o Banco Central tem que caminhar para mais juros prefixados. Neste momento de perspectiva de juros em queda, vender prefixado pode significar manter por mais tempo o atual custo da dívida. Ele admite que sim, mas acha que o BC tem que procurar formas para a queda mais forte dos juros.

Não fez sucesso algum com o presidente do BNDES o comentário, publicado aqui na coluna, feito pelo economista Eduardo Giannetti da Fonseca, criticando o crédito de longo prazo. Giannetti disse que o governo se endivida a 19,5% e empresta através do BNDES a 9,7% para alguns escolhidos. Além disso, o BNDES se financia com fundos compulsórios aos quais o banco paga 6%.

Para Guido, há vários equívocos no raciocínio:

- Primeiro, nenhum cliente do banco paga 9,75%. Pagam isso, mais a taxa de administração do banco, ou, quando é repassado através da rede bancária, o custo é maior. A taxa média é de 13,95%. Segundo, o dinheiro do FAT é contabilizado a 9,75% e não a 6%. Terceiro, o FAT não é do governo em si, é um fundo com destino específico e, quarto, os empréstimos do BNDES não são para poucos escolhidos. Ano passado, fizemos 135 mil operações.

A declaração de Giannetti da Fonseca é sustentada também por outros economistas que consideram que ter uma TJLP dez pontos percentuais abaixo da Selic cria distorções enormes no mercado de crédito e até reduz a potência da política monetária; o Banco Central precisa manter juros mais altos mais tempo para ter o efeito de contração da demanda que reduz o risco inflacionário. O dinheiro do FAT pode ser contabilizado a 9,75%, mas os ativos são remunerados a 6% ao ano. Ainda que tenham sido feitas muitas operações, e que nos últimos anos esteja havendo um aumento da participação das micro e pequenas empresas no bolo dos empréstimos do banco (hoje 30% das empresas que operam com o banco), o grosso do capital emprestado vai para as grandes empresas e elas acabam pagando juros menores até porque fazem operação com intermediação da rede bancária privada.

Guido diz que o BNDES, apesar de ter crédito com juros diferenciados, não vai contribuir para a ampliação da demanda, porque está recebendo em pagamentos mais do que está reemprestando.

- No ano passado, o BNDES recebeu de volta empréstimos anteriormente concedidos no valor de R$41 bilhões e emprestou novos R$39,8 bilhões, portanto teve um efeito contracionista. Este ano, de novo, vamos recolher de volta mais do que os novos empréstimos, até porque tem havido muito pré-pagamento para a liberação de garantias que se valorizaram - conta Guido Mantega.

Ele quer dizer com isso que é um equívoco o argumento de que o crédito concedido pelo BNDES, a taxas mais baixas, está tirando potência da política monetária:

- O que tem crescido, e fortemente, é o crédito livre a pessoa física. Nos últimos oito meses, houve um aumento de cerca de dois pontos percentuais do PIB de crédito livre, saiu de 26,2% em janeiro para 28,2% em agosto. Isso é uma verdadeira revolução no crédito.

Esse aumento do crédito foi basicamente devido aos empréstimos vinculados aos salários e às pensões. Foram contraídos com taxas menores do que as do mercado para pessoas físicas, mas, ainda assim, com juros muito altos.

O problema dos juros no país se desdobra em vários níveis de constrangimentos para a economia brasileira. A Selic é apenas uma das frentes desse problema. Mas se a taxa não cair neste bom momento brasileiro, quando cairá?

Por ora, o Copom mandou sinais animadores. No cenário base, ou seja, se juros e câmbio ficassem no mesmo nível atual, a inflação ficaria abaixo da meta. Mesmo em cenário de queda de juros e alta de dólar, a inflação prevista pelo Banco Central ficará abaixo da última previsão, apesar de ter havido um aumento de gasolina entre uma e outra ata. O BC diz que o reajuste da gasolina tirou uma incerteza para o cenário futuro. Disse ainda que o nível de atividade não traz risco inflacionário e que aumentou o "hiato de produto", ou seja, o país pode crescer mais, sem risco de elevação de preços. Tudo somado, os juros devem continuar caindo. Apesar disso, deu alguns sinais de que continuará cauteloso nessa descida.

No mundo, o que continua ameaçando a conjuntura é o mercado de petróleo, que agora enfrenta a onda de furacões que devasta a costa do Golfo do México. Apesar de o Rita ter perdido força, ele tem o poder de atingir mais fortemente o abastecimento do mercado americano do que o Katrina. O Texas tem 26 refinarias, o que é 1/4 da produção americana. Mas o Copom disse que houve melhora no mercado de petróleo e não prevê outro aumento de combustível este ano. Para o Banco Central, o cenário é "benigno". Felizmente.