Título: 'DIZEM QUE SOU MELHOR AGORA DO QUE ANTES'
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 23/09/2005, O Mundo, p. 33

SÃO PAULO. Aos 80 anos, a vitalidade foi a principal marca do primeiro dos quatro dias de visita do ex-presidente de Portugal Mário Soares ao Brasil. Ele cumpriu ontem em São Paulo uma agenda de encontros com a colônia portuguesa, rápidas reuniões e entrevistas, uma agenda de candidato que, pela terceira vez, pretende presidir Portugal. Líder histórico socialista, Soares deve enfrentar o ex-primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva nas eleições presidenciais do próximo ano. Ele rejeitou a idéia de salvador da pátria e disse que seu objetivo é evitar que pobres paguem pelos problemas dos dirigentes. Sobre a crise brasileira, disse que o país não merece o que está passando.

O que mais pesou na sua decisão de se candidatar à Presidência de Portugal depois de se retirar da vida política? Tem relação com a falta de novas lideranças políticas no país e em seu partido?

MÁRIO SOARES: Há muitas lideranças em Portugal. Não faltam. O Partido Socialista é ao mesmo tempo um partido de governo. Temos o primeiro-ministro e outros ministros. Portanto, não nos faltam líderes. Agora, o que falta nessa conjuntura real é que os que seriam mais aptos para disputar essa eleição não aceitaram. Chegou uma hora que fui pressionado, não só pelo Partido Socialista, mas por muitas forças políticas e sociais para avançar. E, depois de muito meditar sobre isso, revolvemos avançar mesmo.

Grande parte das críticas que o senhor tem recebido por se lançar candidato se refere a sua idade. Como se sente aos 80 anos?

SOARES: Como você acompanhou (fala ao repórter) o dia todo, estás a ver. Tenho estado bem, praticamente sem parar, a dar entrevistas, a falar com pessoas, cumprindo muitas agendas com gente importante, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e com outras pessoas também. Faço discursos. O fato é que sou como sempre fui. Alguns até dizem que sou melhor agora do que fui no passado. Parece evidente ter mais experiência, mais conhecimento.

A sua família encarou bem a sua decisão de se candidatar de novo?

SOARES. Inicialmente estavam com a idéia de que era melhor que eu ficasse em casa. A família gosta sempre que os filhos fiquem mais em casa. Meu objetivo era escrever livros, mais do que escrevi no passado. Mas o fato é que agora tenho que largar. Conversamos e a família acompanha, solidária, como é evidente.

Qual é a sua opinião sobre seu principal adversário, o ex-primeiro-ministro Aníbal Cavaco Silva?

SOARES: Não sei se ele é (adversário). Por enquanto ele não se expressou. Não sei se ele é ou não é. Convivemos por dez anos. Ele foi primeiro-ministro enquanto eu era presidente.

Seria um adversário duro?

SOARES: Sobre isso não vou me pronunciar.

As pesquisas de opinião dão ao senhor um índice muito baixo. Como se recuperar?

SOARES: Na primeira vez que fui eleito as pesquisas diziam que eu tinha 6%. Depois ganhei com 54%. Agora dizem que eu tenho 32%. Para começar não está mal. É uma recuperação enorme.

Como um dos grandes incentivadores da entrada de Portugal na União Européia, como o senhor avalia a situação atual do bloco e a inserção nele do seu país?

SOARES: Penso que a União Européia está num momento de indecisão, visto que suspenderam-se os referendos para aprovar o tratado constitucional. Por outro lado, com a entrada de mais 15 membros a UE tem 25 estados-membros. É uma ação voluntária de Estados para assegurar a paz no continente, para desenvolver de maneira sustentável a economia dos países, com maior preocupação social e ecológica. É a mais ousada experiência que aconteceu no final do século XX e que está a prolongar-se no século XXI. Portanto, acho que é decisiva para a Europa, para o século XXI. E eu sou a favor do desenvolvimento desse projeto.

Como o senhor vê o resultado de alguns referendos em que a Constituição foi rejeitada?

SOARES: Sabe-se que às vezes as eleições não têm diretamente relação com o que está em causa. Penso que não foi propriamente a Constituição que foi rejeitada, foram certos governos. Foi o caso da França, foi o caso da Holanda. Mas a verdade é que outros países aprovaram a Constituição, entre eles a Espanha.

O senhor recomendou que o Brasil tratasse sua crise política com mais discrição. Isso porque a imagem do país está sendo prejudicada?

SOARES: Não está certo os estrangeiros, vários amigos do Brasil, todos os dias verem notícias, em uma espécie de telenovela, que estão a confirmar o mensalão.

O senhor acredita que o governo do presidente Lula vive uma situação complicada que pode fazer com que perca a credibilidade conquistada internacionalmente?

SOARES: Acho que o governo Lula e o Lula em pessoa não mereciam, não merecem isso. E o Brasil também não. Isso tudo faz muito mal ao povo brasileiro porque o Brasil estava em uma situação econômica muito favorável. Por outro lado, com um prestígio internacional muito grande, em parte ligado à pessoa do Lula e à liderança do Lula. E é muito desagradável que isso possa influenciar na apreciação que o mundo todo tem do Brasil, que é de um grande país de futuro.

O senhor acredita que a crise no governo Lula pode abrir espaço para a volta do ex-presidente Fernando Henrique?

SOARES: Isso é política interna, sobre a qual não me pronuncio.