Título: FUNDOS E MUNDOS ELEGEM ALDO
Autor: Ilimar Franco, Maria Lima e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 29/09/2005, O País, p. 3

Lula ofereceu cargos e verbas a partidos do mensalão e venceu por diferença de 15 votos

Decidido a eleger Aldo Rebelo (PCdoB) presidente da Câmara a qualquer preço, o governo Luiz Inácio Lula da Silva recorreu a práticas como promessas de verbas e de cargos e negociou abertamente com os principais partidos envolvidos no escândalo do mensalão, como o PP do ex-deputado Severino Cavalcanti, o PTB do ex-deputado Roberto Jefferson e o PL do também ex-deputado Valdemar Costa Neto. Com uma votação apertada tanto no primeiro quanto no segundo turnos, o Planalto conseguiu eleger Aldo com diferença de apenas 15 votos. Para isso, liberou até emenda apresentada por Valdemar, que renunciou ao mandato para fugir da cassação por envolvimento no valerioduto.

Aldo teve 258 votos contra 243 do candidato da oposição, José Thomaz Nonô (PFL-AL). Com a vitória do candidato oficial, o governo Lula dá um passo importante para tentar conter a crise política que começou justamente com a derrota do PT nas eleições para a presidência da Câmara em 15 de fevereiro e se agravou com o escândalo do mensalão. Severino, eleito há sete meses, renunciou semana passada sob suspeita de corrupção.

O dia foi de muita tensão. Nonô surpreendeu no primeiro turno, quando teve o mesmo número de votos de Aldo, 182. No segundo turno, votaram 509 deputados, sendo seis votos em branco e dois nulos. Quando foi proclamado o resultado, Aldo, até então muito tenso, sentado no meio do plenário, foi carregado pelos governistas.

Valeu tudo na busca pelos votos

Desta vez o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não cruzou os braços e se envolveu diretamente na disputa. Ao contrário do que ocorreu em fevereiro, Lula impôs ao PT um candidato e determinou aos ministros que entrassem no corpo-a-corpo para obter os votos. E autorizou a abertura dos cofres para agradar aos aliados.

Depois de sete meses na defensiva, a vitória de Aldo aponta para a reconstrução da base política do governo. Com o apoio da maioria do PL já no primeiro turno, a vitória de Aldo, no segundo, se deveu ao apoio da maioria dos deputados do PP e do PTB.

O candidato da oposição teve uma votação acima de sua própria expectativa no primeiro turno, numa demonstração de força dos partidos que fazem oposição ao Planalto. Isso ocorreu porque o presidente do PMDB, Michel Temer (SP), ao renunciar à sua candidatura, levou cerca de 45 votos para Nonô. A desistência do deputado Francisco Dornelles (PP-RJ) também garantiu ao candidato da oposição mais dez votos.

¿ Nós temos muitos mais votos que a oposição no PP e no PTB. A desistência de Temer é que levou a disputa para esta empate ¿ dizia o líder do PT, Henrique Fontana (RS), antes do resultado final.

Os governistas já tinham acertado com os principais dirigentes do PTB e do PP o apoio à candidatura de Aldo no segundo turno. Por isso, não pressionaram para que os candidatos Ciro Nogueira (PP-PI), que teve 76 votos, e Luiz Antonio Fleury (PTB-SP), com 41, abrissem mão de suas candidaturas.

Durante uma hora e meia, entre o primeiro e o segundo turnos, Aldo e seus aliados foram atrás dos votos que faltaram. Ele foi ao gabinete de Ciro Nogueira e depois ao do líder do PP, José Janene (PR) ¿ também envolvido no escândalo do mensalão ¿ para pedir voto a cerca de 40 deputados do partido.

Após a saída de Aldo e a garantia que receberam do ministro da Coordenação Política, Jaques Wagner, de que o partido terá liberdade para nomear o segundo escalão do Ministério das Cidades, o PP fechou com o candidato do governo. No PTB coube ao ministro do Turismo, Walfrido Mares Guia, comandar o alinhamento com a candidatura de Aldo. O ministro instalou-se na sala do líder José Múcio (PTB-PE) e participou de uma reunião em que estavam 40 dos 47 deputados da bancada e estes decidiram por 34 votos e seis que dariam apoio ao candidato do governo.

Até projeto sobre aborto é negociado

Antes do início da votação do segundo turno, Aldo conversou por telefone com Severino Cavalcanti, e participou de uma reunião com cerca de 20 deputados evangélicos, quando disse que lutará para que a execução do Orçamento da União, no que se refere às emendas parlamentares, seja obrigatório pelo Executivo. E o ministro Jaques Wagner assumiu o compromisso de que o governo Lula não porá em votação projeto que descriminaliza o aborto.

Em nota, o presidente Lula disse que queria cumprimentar o novo presidente da Câmara e que espera ter um diálogo independente, construtivo e respeitoso com o Legislativo, "diálogo este voltado para o legítimo interesse da sociedade e para o aperfeiçoamento das instituições democráticas". O clima de euforia tomou conta do Palácio do Planalto. O ministro Jaques Wagner se emocionou ao saber do resultado. Para o Planalto, foi uma vitória simbólica.

Antes do início da contagem dos votos do segundo turno, a oposição já havia jogado a toalha. Aldo circulava nervoso pelo plenário, fumando sem parar, mas já recebendo cumprimentos e dando declarações como provável vencedor da disputa. A contagem apertada e a pequena diferença de votos deixaram os governistas com os nervos à flor da pele. Nonô se recolheu ao gabinete para acompanhar a apuração com a mulher, Francisca, e aliados. Quando faltavam dez votos para o final, ele foi para o plenário já reconhecendo que seria derrotado.

¿ O resultado reflete a pressão do Palácio do Planalto, que jogou pesado. Basta ver a enxurrada de ministros que entraram no jogo. Os ministérios pesaram. Minha candidatura tinha pouco a oferecer. Acho que ganhamos pelo menos a batalha na sociedade e só amanhã vamos saber os bastidores dessa negociação ¿ disse Nonô após o anúncio do resultado.

Na oposição, a avaliação é que a vitória de Aldo vai favorecer a impunidade dos parlamentares que estão sendo processados para perda de mandato.

¿ O mensalão ganhou a eleição e a sociedade vai perceber isso ¿ disse o presidente do PPS, deputado Roberto Freire(PE).

¿ É a vitória do mensalão ¿ concordou o líder do PSDB, Alberto Goldman (SP).

O deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ) foi além:

¿ Essa diferença foi garantida pelos 15 deputados do mensalão.

COLABORARAM Cristiane Jungblut e Luiza Damé