Título: UM CHOQUE DE GESTÃO NAS EMPRESAS ESTATAIS
Autor: Eliana Oliveira
Fonte: O Globo, 29/09/2005, Economia, p. 25

Pacote de medidas, que será implementado por decreto de Lula, terá novas metas para 137 companhias

BRASÍLIA. O governo federal vai criar uma câmara interministerial para centralizar a política de gestão das estatais federais, adiantou ao GLOBO o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo. O novo órgão ¿ que será integrado pelos ministérios da Fazenda, do Planejamento, da Casa Civil e as pastas setoriais ¿ será responsável pela elaboração de novas diretrizes e metas para as empresas públicas e a implantação de um sistema de governança corporativa, com o objetivo de dar um choque de eficiência nas 137 estatais comandadas pela União. A medida será implementada por um decreto a ser encaminhado nos próximos dias ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

¿ Parte dos problemas que existem em algumas estatais se deve à gestão. Vamos dar um choque de governança nas empresas ¿ disse Paulo Bernardo.

Entre as tarefas da nova câmara ¿ o órgão ainda não tem um nome ¿ está a criação de regras que dificultem o acesso de pessoas que não fazem parte do quadro de pessoal a cargos de confiança e assessorias, o que diminuiria a interferência política.

Nova contabilidade para deixar custos transparentes

Também está em vista, em um prazo mais longo, a adoção de uma nova contabilidade para deixar transparentes os custos da empresa com a execução das políticas públicas e quanto o Estado ganha como acionista. Hoje, estes números estão dispersos, e não há clareza para a sociedade sobre quanto está sendo gasto com recursos do Orçamento e quanto as empresas geram de caixa próprio.

No setor elétrico, por exemplo, foi constituído um fundo destinado à expansão da rede de distribuição de energia. Hoje, é possível saber quanto do fundo foi gasto, mas não é possível saber quanto dos recursos engordou o caixa da Eletrobrás e quanto foi para regiões remotas, que dependem do investimento público.

Esse aperfeiçoamento virá acompanhado da implementação de metas de eficiência e produtividade. De acordo com o Planejamento, as empresas terão de ser avaliadas tanto do ponto de vista empresarial ¿ ou seja, do desempenho em suas áreas de atividade ¿ quanto do ponto de vista público ¿ se são eficientes no cumprimento de seus objetivos sociais.

Por exemplo, a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) tanto será avaliada pelo grau de competitividade no setor de encomendas (onde disputa com companhias privadas) quanto pela capacidade de atendimento em estados onde não há interesse econômico.

À câmara caberá ainda resolver a situação das empresas federalizadas, como a Ceasa de Minas Gerais e a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp). Na época da renegociação das dívidas dos estados com a União, essas estatais foram usadas como pagamento de débitos. Pela lei em vigor, as companhias só podem sair da tutela do governo federal se forem privatizadas. Só que os preços das empresas, se vendidas, serão menores que seu valor patrimonial.

¿ Se isso acontecer, os estados terão de ressarcir a União. Precisamos de uma nova equação ¿ disse o diretor do Departamento de Coordenação das Estatais do Planejamento, Eduardo Scaletzky.

Outra questão diz respeito a empresas como as companhias Docas de todo o país. Muitas delas assumiram passivos antigos, como a Docas do Rio, que incorporou cerca de R$800 milhões em passivos da extinta Portobrás, dos quais R$300 milhões são dívidas trabalhistas.

Segundo Scaletszky, com a iniciativa o Brasil se alinha a um debate mundial que tem à frente a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne os países mais ricos do mundo e elaborou uma cartilha com princípios de boa governança. São parâmetros que são considerados fundamentais pelos investidores, ao analisarem oportunidades.

No caso do Brasil, os técnicos do Planejamento constataram que existe ambigüidade no tratamento das estatais ¿ muitas vezes são cobradas como companhias privadas, mas não dispõem dos mesmos mecanismos de gestão. E as que adotam práticas de mercado porque são de capital aberto acabam tendo recaídas de estatal clássica, devido à falta de clareza da União, seu controlador, sobre o que exigir dessas unidades.

Iniciativa é elogiada por instituto de governança

¿Registrar quais são as metas da empresa, dessa como um ator no mercado e dessa como ator estatal é condição primária para a construção da governabilidade que, sem eliminar, pode atenuar o conflito entre os interesses do governo e o interesse de outros atores envolvidos no processo, notadamente dos gestores da empresa e dos acionistas minoritários¿, diz o documento.

¿ Nossas empresas têm conselhos fiscal e de administração, auditoria independente, publicam seus balanços, seguem o rito da Lei das S.A., mas precisam de um choque de governança ¿ enfatizou.

No Brasil, as categorias de estatais são variadas. Além das federalizadas, há as de capital misto, como Petrobras e Banco do Brasil. Depois vêm as empresas públicas, em que a União tem 100% do capital, como a Caixa Econômica. Entre as que dependem totalmente de recursos do Tesouro, estão a Embrapa e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).

¿ Vemos com bons olhos esse trabalho. Os organismos internacionais já consideram a governança corporativa um novo pilar da arquitetura econômica mundial ¿ disse a diretora-executiva do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, Heloísa Bedicks.