Título: `O PARTIDO ESTÁ DESFIGURADO¿
Autor: Ricardo Galhardo e Isabel Braga
Fonte: O Globo, 27/09/2005, O País, p. 3

Ex-vice-prefeito sai desiludido com governo e com denúncias de corrupção

O ex-promotor Hélio Bicudo já era um destacado defensor dos direitos humanos quando ajudou a fundar o PT, em 1980. Aos 83 anos, o ex-vice-prefeito de São Paulo decidiu deixar o partido. Os motivos são a desilusão com os rumos do governo Lula e as recentes denúncias de corrupção. Segundo Bicudo, este sentimento está chegando aos movimentos populares ligados à Igreja Católica, um dos pilares do PT.

Por que o senhor decidiu sair do PT?

HÉLIO BICUDO: A manutenção do grupo Campo Majoritário torna incompatível minha presença no partido, que está totalmente desfigurado.

Então o motivo foi o resultado das eleições internas?

BICUDO: Não. Eu já tinha decidido em face dos fatos anteriores ocorridos, a partir destes casos de corrupção dentro do governo e se estendendo pelo Parlamento, a atuação muitas vezes equivocada do governo de tentar fazer um acordão para essas questões dos Correios e do mensalão. Já tinha tomado a decisão há muito tempo, mas para quem dedicou 25 anos a um partido, não é um parto fácil.

Como será seu futuro político?

BICUDO: Pretendo manter a posição de luta pelos direitos humanos, pelo socialismo, pela liberdade. Pode ser feito com muito mais amplitude nos movimentos populares dos que num arcabouço partidário.

Estes movimentos sociais também estão se afastando do partido?

BICUDO: Não posso falar por outros, mas há grande frustração entre os movimentos sociais, principalmente aos mais ligados à Igreja Católica, com relação à atuação não só do partido mas do próprio governo.

É possível reaglutinar as forças socialistas dispersadas com as mudanças ocorridas no PT com o mesmo vigor do início dos anos 80?

BICUDO: Acho este reagrupamento até desejável. Mas é uma empreitada difícil. Não se tem mais as motivações do momento em que a ditadura acabou e por outro lado tem alguns questionamentos em relação ao socialismo que não existiam naquela época.

Nos quatro anos na prefeitura de São Paulo o senhor não havia notado essas mudanças?

BICUDO: Procurei desde o início, quando solicitado, ter em mira o que a Constituição determina para as funções de vice-prefeito. Tanto que quando a prefeita me ofereceu a Secretaria de Negócios Jurídicos, logo no início, recusei. Mas o governo da Marta (Suplicy) teve grandes avanços.

O senhor chateou-se com o presidente por não ter sido indicado a uma embaixada, como ele prometera?

BICUDO: O que me ofereceram foi uma participação no conselho da Unesco, com direito a três viagens anuais a Paris. Um convite à mordomia. Este tipo de coisa não poderia aceitar. Não há mágoa alguma.