Título: Fartura de dólares
Autor: Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 27/09/2005, Economia, p. 21

Declaração do presidente do BC e fluxo de recursos levam moeda à menor cotação desde 2001

Aforte trajetória de queda do dólar ¿ no ano, a desvalorização é de 15,18% ¿ levou ontem a moeda à menor cotação desde 8 de maio de 2001: R$2,251 para venda, uma queda de 0,62%. Os principais motivos foram as declarações do presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, de que a instituição não atuará no câmbio e a expectativa de entrada de recursos captados por empresas brasileiras no exterior, cujo saldo de 2005 já supera em 68% o de 2004. Já o risco-Brasil recuou 1,68%, para 352 pontos centesimais, o menor patamar desde 22 de outubro de 1997. E o Global 40 atingiu o recorde histórico de 121,3% do valor de face, uma alta de 0,15% em relação a sexta-feira.

Segundo analistas, a dobradinha liquidez internacional elevada/baixas taxas de juros internacionais deve não apenas garantir a manutenção do atual cenário, mas empurrar as cotações para patamares próximos a R$2,20 a curto prazo. Para economistas, sem a atuação do Banco Central (BC), que poderia equilibrar o forte fluxo de entrada de capital externo, a tendência do dólar é para baixo.

Os títulos de empresas e do governo brasileiro se tornaram os queridinhos dos estrangeiros. Com juros de 2% na zona do euro e 3,75% nos EUA, os investidores têm conseguido taxas entre 7% e 9% ao ano nos papéis do Brasil, lembra Alex Agostini, economista-chefe da Global Invest.

Governo e empresas captam 60% a mais

Prova disso é que, de janeiro a setembro deste ano, as emissões externas de empresas brasileiras já somam US$12,126 bilhões, segundo dados da Associação Nacional dos Bancos de Investimento (Anbid) e da Global Invest. O volume supera em 68,34% o do mesmo período do ano passado: US$7,204 bilhões. E, em nove meses, já supera o total emitido em 2003: US$11,461 bilhões.

O governo também aproveitou o clima favorável. Enquanto entre janeiro e setembro de 2004 haviam sido captados no exterior US$4,210 bilhões, este ano o valor já é 66,3% maior, de US$7 bilhões. No total de 2004, foram US$5,710 bilhões. O Tesouro já começou a cumprir o cronograma de financiamento para os próximos dois anos. De um montante de US$9 bilhões para 2006 e 2007, já emitiu US$2,5 bilhões. Com fluxo tão elevado de recursos, o dólar não têm espaço para subir, o que pode comprometer o vigor das exportações.

¿ O atual patamar do câmbio vai inviabilizar a manutenção dos elevados saldos comerciais. O BC poderia aproveitar as baixas cotações para recompor as reservas internacionais, que hoje têm um saldo líquido de US$40 bilhões e podem dar uma margem maior de segurança para a economia em caso de crise ¿ avalia Cecília Hoff, economista do Grupo de Conjuntura da UFRJ.

As reservas já foram de US$60 bilhões em 1997. Mas, para Fernando de Hollanda Barbosa, economista da FGV, o ciclo de cortes na taxa básica de juros (Selic) vai levar o dólar para níveis mais altos que o atual:

¿ O dinheiro que os investidores aplicavam em juros será redirecionado para o câmbio, que está em patamares interessantes. No dólar, que é flutuante, o BC não deve mexer ¿ avalia o especialista.

Para José Augusto de Castro, vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), a situação chegou ao limite para as pequenas e médias empresas:

¿ Várias estão fechando as portas. Não dá para exportar com um câmbio nos patamares atuais. As exportações só não sentiram ainda o baque porque os contratos de longo prazo, fechados há meses a R$2,70 e R$2,90, ainda estão compensando as perdas em alguns casos ¿ reclama.

Emergentes: fundos batem recorde

No que depender do fluxo para emergentes, a tendência do dólar não muda. Segundo Brad Durham, diretor da consultoria americana EmergingPortfolio.com, na semana encerrada no dia 21, os fundos que aplicam em ações de empresas da América Latina tiveram a maior captação em dólares numa única semana desde 2001: US$233,2 milhões. Já os fundos estrangeiros que aplicam em títulos da dívida de mercados emergentes registraram a 13ª semana consecutiva de entrada de recursos: US$67,8 milhões. No ano, as captações somam US$5,43 bilhões. A Bolsa de Valores de São Paulo caiu ontem 0,49%, após subir quase 10% no mês.

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