Título: Nova chance à Câmara
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 28/09/2005, O Globo, p. 2

Sem o triunfalismo de fevereiro que o levou à derrota, o governo joga com todas as armas do pragmatismo para garantir hoje a eleição de Aldo Rebelo à presidência da Câmara. Dela depende em grande parte a qualidade de sua sobrevida. Aldo se consolidou na dianteira e deve enfrentar um segundo turno com José Thomaz Nonô, candidato do PFL e mais cinco partidos da oposição, que ultrapassou Ciro Nogueira, do PP.

O quadro de ontem afastou um cenário de segundo turno que poderia reeditar o resultado de fevereiro, que foi tão nocivo para a imagem da Câmara. Ciro estava em vôo ascendente anteontem e acabou dando ele mesmo um tiro na asa direita. Vinha rebatendo a associação com seu amigo Severino Cavalcanti, mas acabou por fortalecê-la ao contratar recepcionistas para distribuir seus panfletos de campanha. Assustou os caciques do governo e da oposição e inibiu um baixo clero escaldado com o resultado da rebeldia de fevereiro. Foi contido também pela ofensiva do governo ao evitar a renúncia do candidato petebista Fleury, que se encontrou com o presidente Lula, em seu favor. Permanecendo na disputa, Fleury segura entre 40 e 50 deputados que poderiam se bandear para o novo príncipe do baixo clero. Ciro parecia ontem fora do embate final, embora com o atual quadro partidário nunca se saiba: cada um cuida de si, o voto é secreto e a traição tem seu fascínio.

Em seu empenho por Aldo, o governo se permitiu até mesmo receber no Palácio o deputado cassável Mabel e o presidente do PL, Valdemar Costa Neto, que escapou pela renúncia. Garantiu assim o apoio do PL, fazendo afundar a candidatura de João Caldas. Fala-se muito nas emendas parlamentares, mas elas não serão liberadas hoje e nem são moeda nova. Já estavam programadas, dentro de um calendário bimensal de liberações negociado pelo ministro Jaques Wagner. Mas prometeu-se o descontingenciamento do orçamento do Ministério dos Transportes, ocupado pelo partido. Outras promessas certamente foram feitas aos dispersos aliados.

Os próprios tucanos admitiam ontem que Aldo estava mais próximo da vitória, explicando que não ficaram com Nonô mirando exatamente a vitória na disputa de hoje. Para isso, teriam preferido a candidatura de Michel Temer, do PMDB. A aposta foi na reaproximação com o PFL, com vistas a uma aliança na disputa presidencial de 2006. Por isso darão todos os votos (menos um, o deputado Leo Alcântara, eleitor de Ciro Nogueira) a Nonô, num esforço para reconquistar a confiança do PFL, abalada desde a sucessão de Fernando Henrique. Apostaram no que Tancredo Neves chamava de perder ganhando.

Se o governo ganhar com Aldo, só não será acusado de ter usado a bomba de nêutrons. Como só fez perder nos últimos tempos, será difícil explicar uma eventual vitória. Na Câmara atual, com taxas de ressentimento e indisciplina elevadíssimas, tudo pode acontecer, até mesmo a repetição de fevereiro. Mas tudo indicava ontem que, com Aldo ou com Nonô, a Casa terá uma chance de se redimir.