Título: `O GOVERNO LULA É UMA APOSTA PERDIDA¿
Autor: Lydia Medeiros
Fonte: O Globo, 28/09/2005, O País, p. 10

Chico Alencar diz que está saindo do PT para não deixar de ser petista

Após 19 anos no PT, pelo qual se elegeu vereador duas vezes no Rio, deputado estadual e federal, Chico Alencar sai desiludido: ¿O partido foi muito para a direita¿.

É difícil deixar o PT?

CHICO ALENCAR: Foi a decisão política mais dramática da minha vida. É difícil deixar o lugar onde você viveu e aprendeu lições de novas formas de fazer política, de convivência solidária, de criatividade e de vinculação viva com os movimentos sociais. O PT foi a síntese partidária do belíssimo movimento popular dos anos 70 e 80.

O PT acabou?

CHICO: Chegamos à conclusão paradoxal de que para ser petista, manter esses valores acesos, era preciso sair do PT. O PT desconstruiu suas bandeiras fundamentais: a da política de mudança na busca de uma sociedade mais igualitária e solidária, o horizonte do socialismo como democracia, e o padrão de ética na política. Dilapidamos esse patrimônio nos últimos tempos, justo no momento em que passamos pelo teste mais importante, o governo da República.

E qual seu destino agora?

CHICO: Sou um brasileiro qualquer, carioca, flamenguista e cheio de esperança. Também marcado por muito desencanto e frustração. Nessa tentativa de manter acesos os valores originários do PT, atualizados, nada anacrônico, o melhor espaço é o Partido Socialismo e Liberdade. É um partido novo, formado por muitos ex-petistas, e aprenderá com erros do PT. Democracia total, muita ligação com a base, transparência, nem sectarismo nem aliança meramente pragmática. Partido não é igreja nem paixão que enraivece.

É um partido de extrema esquerda no quadro nacional?

CHICO: Não. O PT é que foi muito para a direita e a gente acha que quem tem propostas reformistas é de extrema-esquerda. O PSOL tem condições de resgatar boa parte daquilo que em 2001 o PT formulou como programa de governo e que Lula abandonou.

Mas o PT só chegou ao poder quando deixou de lado esse programa e fez a Carta aos Brasileiros.

CHICO: Se você muda tanto para chegar ao governo, a ponto de não poder fazer as mudanças que proclamava, é melhor não chegar lá. O que muda a sociedade não é o aparato de Estado, mas as forças sociais organizadas e em disputa. O governo Lula não travou qualquer confronto com o sistema financeiro, com a absolutização do agronegócio, teve medo da reforma política. Aliou-se a uma base fisiológica, ultraconservadora. Por fim, o governo ficou com o carimbo da corrupção. O governo Lula é uma promessa não realizada e uma aposta perdida.

Como avalia a relação do PT com o governo e o futuro do partido?

CHICO: O partido ficou subordinado. O Genoino especialmente foi mais um ministro sem pasta que um presidente de partido. Era um bedel de deputado. O Tarso Genro tentou resgatar a autonomia, mas perdeu todas. E se Raul Pont for eleito, temo que isso aconteça. Se for (Ricardo) Berzoini, está tudo cristalizado.

Para o PSOL eleger um deputado será necessário um número muito maior de votos. Como será esse desafio?

CHICO: Essa realidade é um antídoto àqueles que, por má-fé ou desinformação, disserem que estamos praticando oportunismo eleitoral. No Rio, é o partido do Milton Temer, do Carlos Nelson Coutinho, do Leandro Konder e de outras belíssimas filiações que vão ocorrer esta semana. E do Babá, que agora está lá e pega um segmento mais aguerrido, que me acha muito moderado. Tenho consciência de que concorrer à reeleição pelo PT seria muito mais fácil. Em São Paulo os companheiros terão ainda mais dificuldade.

Como votará a nova bancada para presidente da Câmara?

CHICO: A gente ainda vai se permitir não agir como bancada, a Lei Eleitoral permite, porque a filiação é na quinta-feira. Se obtiver o compromisso de Aldo Rebelo de se livrar dessa doença que adquiriu, o governismo exacerbado, e de agir com independência, voto neste comunista. É um espartano, austero, e nada dessa confusão do governo respingou nele. Michel Temer vencer seria muito poder para o PMDB, um partido do vale-tudo. E Nonô é do PFL. Não dá.