Título: NOS MUNICÍPIOS MAIS VIOLENTOS, PERDAS INFLUENCIAM VOTO
Autor: Carlos Orietti e Letícia Lins
Fonte: O Globo, 28/09/2005, O País, p. 14

Para moradores de Recife (PE) e Serra (ES) que tiveram parentes e amigos assassinados, arma facilita as mortes

SERRA (ES) e RECIFE. Em dois dos municípios com maior taxa de homicídios do Brasil, Recife (PE) e Serra (ES), as histórias de violência pesam na hora de decidir o voto no referendo. Para quem perdeu filhos, maridos e amigos, a arma é um meio de facilitar a morte. Pelos dados de 2002, Serra é o segundo município mais violento do país, com 110,5 homicídios por cem mil habitantes, de acordo com a Secretaria Nacional de Segurança Pública do Ministério da Justiça (Senasp). Em Recife, a taxa era de 104,3 por cem mil habitantes.

No bairro Vila Nova de Collares, em Serra, a família Santos Balbino espera com ansiedade o dia 23 de outubro. Eliane viu o filho de 14 anos, Betinho, ser morto com oito tiros de pistola disparados por dois homens que fugiram numa moto. Foi engano: o alvo era Nildo, filho de criação de 17 anos, suspeito de envolvimento com drogas e também morto a tiros.

Crianças com armas na favela mais violenta de Recife

Este ano, o bairro teve 20 assassinatos. Eliane tem medo:

¿ De dia ainda vai, mas à noite não me sinto segura.

A Associação de Moradores de Vila Nova e a Casa de Amparo da Criança Carente entraram na campanha pelo voto Sim no referendo. A presidente da Casa, Railda Santana, vai promover palestras em igrejas, postos de saúde e na escola de ensino fundamental do bairro. O presidente da associação, Erenilton de Aquino, está organizando shows com bandas da região para atrair os mais jovens.

Na favela Ayrton Senna, uma das mais violentas de Recife, o pintor José Waldecir Gomes dos Santos já decidiu: em outubro vai votar Sim, pela proibição à venda de armas. Mas acha que o referendo deveria estender a proibição ao porte de arma a policiais fora do horário de serviço.

Nos últimos cinco anos, Santos perdeu dez parentes e vizinhos alvejados por tiros, inclusive um cunhado e um enteado. Entre os acusados do assassinato do enteado, de 18 anos, está um policial. No bairro Iputinga, onde mora, costuma ver crianças com menos de 10 anos manipulando revólveres. Para ele, a arma é a raiz da violência:

¿ A arma é uma fábrica de violência para o mundo.

Santos lamenta apenas que muitos moradores de sua comunidade ainda não estejam entendendo a mensagem sobe o referendo de outubro.

Tiros no estudante que pediu para ficar com identidade

O último crime mais comentado praticado por moradores da favela foi contra o estudante de jornalismo Gabriel Cruz, de 18 anos, morto com um tiro no peito quando se dirigia a uma festa num bairro vizinho. Ele foi alvejado só porque pediu que os marginais não levassem sua identidade.

A empregada doméstica Célia Nascimento não sabe ler, mas entendeu a propaganda institucional sobre o referendo.

¿ Vou dizer sim à proibição da venda de arma porque a violência é muito grande. No meu bairro a gente vê arma a todo instante, na mão de adulto, de adolescentes, de crianças. Já vi garotos de 14 anos com revólver na mão e até um menino de 8 anos ¿ diz Célia, cujo filho Márcio José do Nascimento, de 18 anos, foi assassinado com seis tiros no ano passado.

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