Título: De carona no dólar barato
Autor: Valderez Caetano
Fonte: O Globo, 04/11/2004, Economia, p. 21

Precavidos, governo e empresas privadas estão correndo para reduzir suas dívidas em dólar de médio e longo prazos aproveitando a baixa nas cotações da moeda. No ano, o recuo é de 2,52% mas, em relação a maio, quando foi registrada a máxima do ano, o dólar já acumula queda de 12%. Segundo dados do Banco Central, o endividamento já caiu US$ 11,2 bilhões ¿ dos quais US$ 5,1 bilhões do setor privado e US$ 6,1 bilhões do setor público ¿ de dezembro de 2003 até julho deste ano. É que, agora, diante da valorização do real frente ao dólar, antecipar pagamento de dívida em dólar é um bom negócio.

Além disso, os estrategistas das empresas já contam com uma desvalorização da moeda brasileira, provavelmente no primeiro semestre do ano que vem, num cenário de provável alta de juros pelo banco central americano. Os especialistas dizem que este é o momento certo para reduzir o endividamento porque as empresas estão com os cofres cheios, graças aos bons ventos das exportações e das vendas no mercado interno.

¿ As empresas estão com muita liquidez, graças ao desempenho das vendas externas e internas. É o momento de aproveitar e reduzir possíveis fragilidades. Elas também estão escaldadas e não querem ser apanhadas desprevenidas por eventuais desvalorizações ¿ disse o economista Júlio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos de Indústria e Política Industrial (Iedi).

Preocupação em evitar surpresas

Segundo o economista Alex Agostini, consultor da Global Invest, a expectativa é de que o dólar, no ano que vem, seja cotado a R$ 3,10, se não houver algum fato inesperado. Essa desvalorização do real, por si só, representaria aumento de 10% nas dívidas das empresas. Por isso, disse, no plano estratégico das empresas, estaria incluída a internalização e troca de dívidas em dólares por reais. Segundo ele, algumas empresas vêm preferindo fazer hedge (proteção) em dólar futuro a R$ 3,10).

¿ Hoje, a preocupação da empresa é ter condição financeira ajustada. As empresas não querem mais se sujeitar a desvalorizações inesperadas ¿ disse Agostini, lembrando que o próprio governo já conseguiu reduzir de 37% para 15% o percentual da dívida em títulos corrigidos pela taxa de câmbio.

Os números do Banco Central mostram que, na prática, as empresas vêm buscando reduzir suas dívidas desde 1999, ano da desvalorização do real. Naquele ano, elas deviam US$ 101,6 bilhões e agora devem apenas US$ 69,8 bilhões, queda de mais de 30% em cinco anos. No sentido oposto, o setor público aumentou sua dívida de US$ 97,3 bilhões para US$ 113,6 bilhões.

Dívida da União subiu na transição

Os números mostram, ainda, que as empresas só não conseguiram reduzir o endividamento durante o período da transição entre o governo Fernando Henrique Cardoso para o atual. De dezembro de 2002, até setembro do ano passado, elas não se mexeram, tendo em vista que o dólar chegou a R$ 4.

A dívida de longo prazo do setor privado e de bancos federais se manteve em US$ 77 bilhões. Mas, o setor público, na tentativa de fazer a economia voltar à estabilidade, endividou-se mais. A dívida da União passou de US$ 110 bilhões para US$ 123,7 bilhões entre dezembro de 2002 e setembro de 2003.

Para os especialistas, a queda da dívida brasileira lá fora é um bom sinal para o mercado de que o país vem reduzindo sua fragilidade externa. Pelos números, a dívida total do país, incluindo curto, médio e longo prazos, além de financiamentos entre empresas e bancos, que era de US$ 241,4 bilhões em 1999, caiu para US$ 221,7 bilhões: mais de US$ 20 bilhões a menos.

O economista do Iedi Julio Gomes disse que o fato de as empresas estarem mobilizando capital para pagar ou trocar dívidas não significa que elas deixarão de investir em 2005.

¿ O processo de liquidez e ajuste no endividamento não elimina os planos de investimentos ¿ disse.

A grande dúvida agora é se o governo pode interferir no mercado para garantir uma taxa de câmbio boa para as exportações.

Num encontro com empresários, o ministro da Fazenda Antonio Palocci teria deixado claro que a intenção é deixar o mercado fazer a sua parte. Sem a mão do governo.