Título: POR QUE PERSEGUIR?
Autor: JOSÉ PASTORE
Fonte: O Globo, 04/10/2005, Opinião, p. 7

OPoder Executivo tem investido contra os profissionais que decidiram criar empresas para prestar serviços como pessoas jurídicas. A primeira tentativa, em 2004, foi a abortada Medida Provisória 232. A segunda, ora em curso, é da fiscalização, que tenta desconsiderar aquelas empresas como pessoas jurídicas.

Nos dois casos, argumenta-se que os prestadores de serviços seriam uns espertalhões que buscam burlar o fisco, escapar das regras da CLT e violar as normas de Previdência Social. Em outras palavras, tais profissionais estariam pagando menos impostos e contribuições quando comparados com os empregados celetistas e os profissionais autônomos.

As nossas autoridades parecem ignorar as grandes transformações que marcam o mercado de trabalho. A maior parte dos profissionais que hoje atuam através de suas empresas foi empregada, ontem. Mas os empregadores não os querem mais como empregados.

Isso porque as grandes empresas passaram a se concentrar nas suas atividades básicas e contratar fora as atividades complementares.

Para ter sucesso, essa contratação busca o melhor preço, onde a qualidade dos profissionais é crucial. Nessas condições, contratantes e contratados passam a formar redes integradas de trabalho especializado. Não são mais as empresas que concorrem entre si, mas as redes. Daí a necessidade de todos operarem na base de parceria, confiança e especialização.

A MP 232 queria punir os prestadores de serviço com mais tributação por achar que eles deixaram de ser empregados por opção. Nada mais falso. A dinâmica do mercado de trabalho fez com que as empresas passassem a se interessar pela sua colaboração como especialistas para trabalhar, sem subordinação, de forma intermitente ou contínua, e com um foco muito bem definido em tarefas específicas.

O mercado não deu escolha a esses profissionais: para viver, eles tiveram de buscar outra forma de prestar seus serviços e, para tanto, valeram-se dos meios legais para constituir suas empresas. Assim é a vida das empresas onde trabalham arquitetos, engenheiros, consultores e outros profissionais que realizam projetos específicos que têm começo, meio e fim.

Em todos os países aumenta o trabalho prestado por empresas desse tipo. Querer reverter esse processo é contrariar as tendências da concorrência e do mercado de trabalho. Ademais, a comparação entre tributos pagos como empregados e como pessoa jurídica exige muitos cuidados. Nesse exercício, é necessário levar em conta os benefícios e os custos de cada situação.

Quem é contratado como pessoa jurídica deixa de ter um patrão e passa a ter um cliente, sob condições de um contrato civil. Em conseqüência, pára de usufruir os benefícios das leis trabalhistas como, por exemplo, férias, aviso prévio, licenças, abono de férias, 13º salário, descanso semanal remunerado, hora extra, adicional de hora noturna etc.

Por outro lado, esses profissionais têm custos inexistentes para os empregados celetistas, como é o caso das despesas de aluguel de um recinto, contratação de contador, secretária, office-boy, além de recolher vários impostos e contribuições não recolhidos pelos celetistas.

Quando se leva tudo isso em conta, é difícil dizer que o trabalho realizado por um profissional de uma empresa prestadora de serviços é menos onerado do que o realizado por um empregado. Mesmo porque o profissional da empresa não tem mais lugar como empregado. Restou-lhe apenas a solução empresarial ¿ que é legal por ter amparo no art. 170 da Constituição Federal e no Código Civil.

Ainda que fora de minha especialidade, ouso dizer que a ação dos fiscais ao considerar tais empresas como ¿ilegais¿ extrapola sua competência. Amparo-me na opinião do nobre tributarista, Ives Gandra da Silva Martins, segundo a qual a autoridade administrativa só poderia praticar tais atos, nos termos do art. 116 do Código Tributário Nacional, mediante obediência a uma lei ordinária que ainda não foi aprovada (¿O escudo da lei¿, O GLOBO, 12/09/2005). Se bem interpreto aquele jurista, a referida tentativa de anulação, nos dias atuais, só poderia ser proferida por sentença judicial e não por atos de autoridade administrativa.

Investidas desse tipo, ignoram as transformações que comandam o mercado de trabalho, criam incerteza para quem contrata e para quem é contratado e conspiram contra a geração de empregos formais ¿ em um país que tem 60% de sua força de trabalho na informalidade.

Não há por que punir quem trabalha legalmente. Está na hora de pôr um basta nessas investidas irrealistas. Já que estamos na safra das ¿Medidas Provisórias do Bem¿, penso ser de extrema utilidade esclarecer essa matéria no âmbito da MP 252 que ora tramita no Congresso Nacional.

JOSÉ PASTORE é professor de relações de trabalho da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo.