Título: Bastos: caixa 2 é para bandido
Autor: Jailton de Carvalho e Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 04/10/2005, O País, p. 3

Tem que tirar essa massa de dinheiro de circulação e deixar para o crime¿, diz ministro da Justiça

Oministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, condenou ontem com veemência a movimentação de recursos não-declarados, o chamado caixa dois, por pessoas, empresas ou instituições idôneas no país. A prática já foi admitida por ex-dirigentes do PT para tentar explicar a origem da fortuna repassada a partidos aliados. Para o ministro da Justiça, o caixa dois é uma prática nociva, que favorece a lavagem de dinheiro pelo crime organizado.

¿ Tem que tirar essa massa de dinheiro (de caixa-dois) de circulação e deixar isso só para o crime, para o dinheiro de origem ilegal ¿ afirmou o ministro ao GLOBO, sem fazer referência ao esquema montado pelo PT nas campanhas de 2002 e 2004.

Para Bastos, coibir a lavagem de dinheiro é a melhor maneira de combater o crime organizado. O ministro disse que as operações financeiras no caixa dois devem ser feitas por bandidos e não pelos cidadãos comuns que, ¿às vezes inadvertidamente¿, pagam por fora algum serviço, sem recibo, ao comentar a administração dos recursos no PT. O ministro garantiu que a Polícia Federal e o Ministério da Justiça estão apurando as denúncias de dinheiro no caixa dois do PT tanto no Brasil quanto no exterior.

¿ Por que eu digo que são os bandidos que devem ficar com esse dinheiro? Porque eles têm que usar mesmo. Traficante de drogas, traficante de armas, traficante de seres humanos, esse é o dinheiro que tem que ficar na ilegalidade. O nosso esforço é tirar todo o outro dinheiro, o dinheiro das pessoas que às vezes inadvertidamente pagam por fora ou aceitam a pressão do profissional liberal e conseguem um desconto na consulta ou no trabalho porque pagam sem recibo, deixem de fazer isso. Esse é um trabalho lento porque é um trabalho que envolve uma modificação de cultura das pessoas ¿ disse Márcio Thomaz Bastos, na inauguração do Juizado Especial Federal (JEF) no Centro de Integração de Cidadania de Francisco Morato, na Grande São Paulo.

`A questão do PT está sendo apurada¿

As denúncias de utilização do caixa dois pelo PT, segundo admitiu o ex-secretário-geral do partido Sílvio Pereira, estão sendo apuradas.

¿ A questão do PT é uma questão que precisa ser apurada, que está sendo apurada. A Polícia Federal e o Ministério da Justiça, através do Departamento de Recuperação de Ativos, estão trabalhando nisso. Estão trabalhando em todos os casos que apareceram em que há suspeita não só de dinheiro aqui ilegal, mas também de dinheiro fora do Brasil ilegal. Estamos trabalhando para conseguir descobrir esse dinheiro e depois repatriá-lo.

Segundo Márcio Thomaz Bastos, há ¿uma grande complacência¿ do brasileiro com o dinheiro ilegal, que é aceito em troca de algum benefício ou desconto no preço do serviço.

¿ Nós temos no Brasil uma grande complacência para o dinheiro ilegal. Todo mundo tem. A escritura passada por menos do valor, o preço da consulta, que com recibo é um, sem recibo é outro. O dinheiro de caixa dois não é um dinheiro bom, não é um dinheiro que deva ser usado ¿ disse.

Projeto contra lavagem de dinheiro

Desde o início do governo, Thomaz Bastos tem repetido que a luta contra a corrupção e a violência só terá eficácia com a criação de uma forte cultura contra a movimentação de recursos não contabilizados, o chamado caixa dois. Com base nesta idéia, Bastos liderou a criação da Estratégia Nacional de Combate à Lavagem de Dinheiro, com representantes dos três Poderes, e o Departamento de Recuperação de Ativos, uma instância específica do ministério para rastrear fortunas ilegais.

¿ Nosso projeto é contra a lavagem de dinheiro. Essa é a melhor maneira de combater o crime organizado ¿ disse.

Pouco depois das declarações do ministro, a Polícia Federal enviou ao Supremo Tribunal Federal (STF) os autos do inquérito sobre o suposto repasse de dinheiro do caixa dois do PT para parlamentares da base aliada. A PF pediu a renovação do prazo do chamado inquérito do mensalão por, no mínimo, mais 30 dias.

A PF pediu ainda a quebra do sigilo bancário e fiscal da Guarunhuns Empreendimentos, da corretora Bônus-Banval e da Natimar, três empresas beneficiárias de recursos do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza, um dos operadores do caixa-dois petista. A PF suspeita que as empresas tenham participado de um esquema de lavagem de dinheiro do PT. Em depoimentos à polícia, representantes das três empresas negaram qualquer irregularidade no recebimento de recursos de Valério.

Dirceu deverá ser ouvido pela PF

Quando receber de volta os autos, a PF deverá intensificar os esforços para interrogar os parlamentares acusados de envolvimento com o caixa dois operado por Valério. Os policiais estão interessados em ouvir especialmente os deputados José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil; José Janene (PR), líder do PP na Câmara; e José Borba, ex-líder do PMDB. A PF já tentou acertar a data do depoimento de Dirceu. Mas, segundo um dos policiais, Dirceu e outros deputados estariam criando dificuldades.

A polícia considera importante ouvir explicações do ex-ministro sobre os repasses de R$55 milhões que Valério fez a parlamentares governistas a pedido do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares entre 2003 e 2004. Neste período, Dirceu não tinha vínculo formal com a direção do partido mas era um dos políticos mais influentes do PT.