Título: Dois não querem
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 04/10/2005, O País, p. 2

Se a oposição não quer, se o governo se esquiva, não haverá mudança alguma nas regras eleitorais para 2006. No máximo, os partidos vão se entender sobre a derrubada da verticalização das coligações, restaurando o direito de se aliarem a torto e a direito nos estados. Os dois lados falam nos perigos de uma reforma apressada mas parecem orientados mesmo é pelo cálculo eleitoral.

A oposição desistiu da dilatação do prazo regulamentar para as mudanças alegando estar em curso uma manobra do governo para reduzir a cláusula de barreira que ameaça partidos aliados, nanicos e médios. E o governo Lula, como outros, desistiu de patrocinar as mudanças. Seu baú de ossos ficaria ainda mais pesado se a reforma saísse pior que a encomenda, por obra de seus aliados mais despudorados. Se ninguém quer, não se fala mais nisso, arrematou o presidente da Câmara, Aldo Rebelo.

Mas a cláusula parece estar entrando na roda como desculpa bilateral para não se fazer nada, nem o mínimo possível para reduzir o custo das campanhas. Se os dois lados quisessem, poderiam chegar a um acordo para se aprovar o projeto Bornhausen, por exemplo, sem se mexer na cláusula.

Hoje haverá mais uma rodada de conversações destinada ao fracasso. Alberto Goldman, líder do PSDB, avisava ontem:

¿ Se não vamos adotar agora o voto em lista e o financiamento público de campanha, o resto é placebo, cosmetologia que não terá nosso apoio.

Estas são as mudanças que podem mesmo conferir mais consistência aos partidos, qualificar a representação política e, embora muitos duvidem, alterar o padrão do financiamento de campanhas. Mas nunca se cogitou de aprová-las para vigorar em 2006. Por que não votá-las agora para vigorar em 2010, como estava previsto?

O próprio Bornhausen apresentou seu projeto como paliativo de emergência, buscando reduzir os custos astronômicos que enlouquecem partidos e candidatos no curso das campanhas. O desespero por recursos leva ao comprometimento com doadores que sabem exatamente o que vão pedir a quem ganhar.

Acontece que algumas das medidas propostas não interessam nem ao PT nem ao PSDB. Estes dois partidos que serão novamente os pólos da disputa presidencial não querem abdicar, por exemplo, do uso de cenas externas em seus programas. Se o PT acha que tem feitos federais a mostrar, os tucanos querem exibir realizações de seus governadores.

Não será pacífico, entretanto, o enterro da emenda que reabre o prazo para as mudanças. O deputado Alexandre Cardoso, que presidiu a comissão especial da reforma política, diz estar arregimentando parlamentares para pressionar os líderes. Diz ele:

¿ Não é possível que depois de tudo o que houve vamos dizer à sociedade que está tudo bem, que o sistema deve ser este mesmo. Assim, em breve vamos investigar outro caixa dois. Em breve, vamos ter deputados na Câmara representando o narcotráfico e o crime organizado.

Diante da piora crescente da representação parlamentar, isso não chega a ser uma alucinação.