Título: Favelização na mira da Câmara
Autor: Ruben Berta e Selma Schmidt
Fonte: O Globo, 04/10/2005, Rio, p. 12

Vereadores apresentam três projetos para mudar Lei Orgânica e permitir remoções

Opontapé inicial para a mudança do trecho da Lei Orgânica que impede a prefeitura de fazer remoções em favelas, exceto em caso de risco de vida para os moradores, foi dado ontem pela Câmara dos Vereadores. Três projetos de emenda para alterar o inciso sexto do artigo 429 foram elaborados por cinco vereadores. Eles tentam agora recolher as 17 assinaturas necessárias para que a proposta possa ser apreciada pela Casa.

Hoje de manhã, o prefeito Cesar Maia se reunirá no Palácio da Cidade com a bancada do PFL para discutir o tema e buscar um consenso dentro do partido, que está dividido. Por e-mail, Cesar disse que tentou informalmente, sem sucesso, alterar a Lei Orgânica cerca de 20 vezes em nove anos, com projetos apresentados por intermédio de vereadores. Segundo ele, quando isso foi feito, pediu que a iniciativa não fosse identificada como sendo do Executivo, pois, do contrário, nada era discutido e ocorria ¿um jogo de desgaste para lá e para cá. Se num tema desse (remoção) se divide a Câmara entre governo e oposição, nem 17 assinaturas se conseguem para que o projeto tramite¿.

Ontem, repórteres do GLOBO ouviram 25 dos 50 vereadores sobre a mudança na Lei Orgânica. Doze foram favoráveis à proposta que permite à prefeitura remover favelas. Quatro preferiram não opinar e nove se disseram contrários. Para aprovar um projeto de emenda constitucional, são necessários dois terços da Câmara.

Líder do governo é contra a remoção

Dos projetos, o mais simples é de autoria de Wanderley Mariz (PFL): suprime o trecho do inciso sexto do artigo 429 da Lei Orgânica que trata da remoção. Com isso, o vereador quer que essa hipótese possa ser considerada pelo município:

¿ O atual dispositivo permite que sejam obtidas liminares para barrar ações da prefeitura. A Câmara não pode se omitir neste momento em que a cidade está asfixiada. O município precisa ter instrumentos para agir ¿ disse Wanderley.

Já um projeto conjunto de Leila do Flamengo (PFL), Luiz Guaraná (PSDB) e Aspásia Camargo (PV) propõe a possibilidade de remoção total ou parcial das favelas, nos casos em que o Poder Executivo achar necessário. O texto permite ainda que o reassentamento seja feito não só em lugares próximos à moradia ou ao trabalho, mas também ¿em locais providos de saneamento básico e de transporte coletivo.¿ Pelo projeto, quem estiver em área de proteção ambiental e interesse paisagístico e residindo no local há menos de cinco anos não terá direito a reassentamento.

Leila admitiu que aprovar esse projeto será uma tarefa difícil:

¿ Muitos vereadores foram eleitos pelo trabalho comunitário em favelas. Dois projetos meus, um criando a Área de Proteção Ambiental do Dona Marta e outro que acaba com a favela existente no Morro da Viúva, foram arquivados ¿ disse Leila, que também pretende apresentar requerimento à Mesa Diretora propondo que seja constituída a Comissão Especial para Acompanhamento da Política de Habitação para a População de Baixa Renda.

O projeto de Carlos Bolsonaro (PP) prevê a mudança no texto do inciso sexto do artigo 429 da Lei Orgânica, permitindo a remoção de moradores ¿quando as condições físicas das áreas ocupadas imponham ou não risco de vida a seus habitantes, inclusive em área de especial interesse urbanístico e de utilização pública¿. Prevê ainda o ¿assentamento em localidades determinadas pelo Poder Executivo¿.

¿ Muitos têm medo de discutir a questão da favelização, porque ganham votos dentro das comunidades. Sei que a remoção é uma medida paliativa. É preciso mais. Se não se falar em controle de natalidade não se resolve o problema do crescimento das favelas ¿ disse.

O caminho dos projetos na Câmara deve ser tortuoso. O próprio líder do PFL ¿ partido de Cesar Maia ¿ Paulo Cerri, disse que a remoção de favelas é um assunto que sequer pode ser cogitado:

¿ A remoção é um assunto do passado, que não tem a ver com a realidade de hoje.

A vereadora Rosa Fernandes (PFL) acha que a remoção tem de ser discutida juntamente com o novo Plano Diretor do Rio. Ela defende a elaboração de uma proposta conjunta, apresentada pela Mesa Diretora, que estabeleça as regras da remoção.

¿ Precisamos tratar o assunto com responsabilidade. O ideal é termos uma proposta conjunta de todos os vereadores, que leve em conta a cidade como um todo ¿ disse Rosa.

Outros integrantes do PFL também são contra a remoção. É o caso de Nadinho de Rio das Pedras, que tem sua base eleitoral na comunidade de Jacarepaguá:

¿ Já vou me manifestar contrário amanhã (hoje) em plenário. A prefeitura tem condições de fiscalizar novas construções. Mas, para os que já estão assentados, a melhor política é a da urbanização.

O vereador Jorginho da SOS, também do PFL, criticou os projetos. Jorginho, que recebeu 13 mil dos 24 mil votos no Complexo do Alemão, seu reduto eleitoral, afirmou que a prefeitura não tem condições de fazer remoções em favelas do porte do Jacarezinho, do Complexo do Alemão e da Rocinha.

¿ Há favelas e favelas. Eu tenho como base o Complexo do Alemão. Sou criado lá. É impossível remover essa gente toda.

COLABORARAM: Maiá Menezes e Paulo Marqueiro