Título: EMILINHA, A FAVORITA DA MARINHA
Autor: Joao Maximo
Fonte: O Globo, 04/10/2005, Rio, p. 13

Quando César de Alencar anunciava ¿ ¿E agora, a minha, a sua, a nossa favorita... Emilinha Borba!¿ ¿ o auditório da Rádio Nacional vinha abaixo. Estava ali um dos mais impressionantes fenômenos de popularidade dos anos dourados do rádio brasileiro, os que vão de 1940 a 1950, quando a televisão entrou em cena para criar novos ídolos, novas favoritas.

Emilinha Borba foi das muitas cantoras de rádio cujo cartaz não sobreviveu à chegada do novo e poderoso veículo. Continuou cantando, continuou levando público aos locais onde se apresentava, continuou cultuada pelos apaixonados sócios de seu fã-clube, mas nunca mais foi a mesma. No seu caso, por motivos outros que levaram estudiosos da música popular a explicar o declínio das divas do rádio: ao contrário das irmãs Batista e de outras cantoras cujo brilho estava na voz, Emilinha Borba, bonita, simpática, cheia de vida, era uma figura televisiva. Mas a televisão não a quis. Nem num primeiro momento, nem quando abandonou o modelo ainda radiofônico de programação para encontrar uma linguagem própria.

A história de Emilinha é a de uma cinderela às avessas. Carioca do bairro de Mangueira, nascida em 31 de agosto de 1923, Emília Savana da Silva Borba foi menina rica cujo pai perdeu a fortuna em negócios mal administrados. Com a morte dele, a mãe, com seis filhas e um filho, foi ganhar o sustento como roupeira de camarim do Cassino da Urca. Um dia, tomou coragem e pediu à grande estrela do show, Carmen Miranda, uma oportunidade para a filha cantora e dançarina, a qual ¿ fato que Ary Barroso jamais confirmou ¿ já tirara a nota máxima em seu programa de calouros cantando um samba de Noel Rosa. Por influência de Carmen, o empresário Joaquim Rolla ouviu a moça, gostou e decidiu contratá-la. Corria o ano de 1938, de modo que, menor de idade, Emilinha teve de acrescentar três anos à certidão de nascimento para se profissionalizar. Em 1939, já estava gravando seu primeiro disco, ¿Pirulito¿, embora com seu nome omitido no selo.

O contrato com a Rádio Nacional, em 1942, deu partida para sua consagração, a ser consolidada três anos depois quando entrou no ar o Programa César de Alencar, por quase duas décadas o de maior audiência no rádio brasileiro, fazendo dela sua atração principal (Marlene, a rival histórica, tinha o mesmo papel no Programa Manuel Barcelos). Em 1947, Emilinha tornava-se ¿a favorita da Marinha¿. E era uma das presenças obrigatórias nas chanchadas cinematográficas lançadas perto do carnaval. Não se conformaria ao perder o título de Rainha do Rádio para a rival, em 1949, nem mesmo quando, quatro anos depois, chegou sua vez de ser coroada.

Da Nacional dos melhores tempos, a cujo cast pertenciam os mais populares artistas do país, foi também a campeã de correspondência, recebendo cartas até do exterior.

¿ A popularidade de Emilinha não tem paralelo dentro da música popular no Brasil. Tenho quase todos os números da ¿Revista do Rádio¿ e da ¿Radiola¿. Nunca nenhuma cantora brasileira foi tantas vezes capa de revista ¿ diz o pesquisador e produtor Ricardo Cravo Albim, autor de espetáculos como ¿Oh! As marchinhas¿, que tinha Emilinha e Jorge Goulart no elenco.

¿ Ela tem um lugar no altar da música brasileira, merecidíssimo, pois era uma grande cantora. É uma grande perda, mas fica o legado dela para a história da música brasileira ¿ diz Ivan Lins.

O fenômeno de popularidade em que Emilinha se tornou foi objeto de reportagens em jornal, críticas diversas, teses sociológicas e outros estudos a partir do fato de não ser dona de grande voz e de não dedicar essa voz a um repertório de qualidade, por mais que tenha feito sucesso com o baião ¿Paraíba¿, o bolero ¿Dez anos¿, a rumba ¿Escandalosa¿, o samba-canção ¿Se queres saber¿ e, principalmente, com as marchinhas carnavalescas ¿Chiquita bacana¿, ¿Tomara que chova¿ e ¿Com jeito vai¿.

As críticas estão representadas por uma marcha que Miguel Gustavo escreveu levado pelo preconceito que intelectuais alimentavam em relação às freqüentadoras dos programas de rádio, as fãs incondicionais, as moças em geral modestas a que chamavam de ¿macacas de auditório¿. Começava assim: ¿Ela é fã da Emilinha/Não sai do César de Alencar...¿ E concluía com: ¿... Enquanto isso, em minha casa/Ninguém arranja uma empregada¿.

Uma explicação, de caráter sociológico, vem do historiador José Ramos Tinhorão, a propósito da cinderela às avessas:

¿Artistas do palco, dotados de inegável fascínio sobre o público humilde dos auditórios de rádio das décadas de 40 e 50, os cantores ídolos de programas famosos como os de César de Alencar e Manuel Barcelos deviam grande parte de seu sucesso à circunstância de representarem a imagem ideal da conquista de uma posição artística de destaque, a partir de condições desfavoráveis. E isso explica o fato de os ídolos de programas de auditório não precisarem sequer ser grandes cantores: eram eleitos por seu carisma, por sua maneira afável de lidar com a gente simples que logo formaria seu séquito, através da criação dos chamados fãs-clubes¿.

Em duas palavras, Emilinha Borba. As reportagens, em particular as de publicações especializadas como a ¿Revista do Rádio¿, não se cansavam de recontar a história da menina rica que empobrecera e que, por força apenas do próprio talento, chegara onde chegara.

¿ A sensação de perder um ídolo é diferente da sensação de perder alguém da família. Parece que eles são tão próximos quanto nossos parentes, mas ao mesmo tempo mexem com muito mais gente. Liguei para a minha mãe para avisá-la, pois ela era amiga da Emilinha, e ela também ficou triste. Ela e Cauby Peixoto foram meus grandes ídolos da infância. Eu brincava de programa de rádio e incorporava o Cauby enquanto uma vizinha, em Ramos, era a Emilinha. A popularidade deles sempre foi uma coisa incrível ¿ diz Elymar Santos.

Ao gravar uma participação no último disco da amiga, ¿Emilinha pinta e Borba¿, de 2003, Cauby Peixoto reverenciou a amiga em um depoimento: ¿A Emilinha me ensinou a ser atencioso com os admiradores. Quando comecei, já era fã dela. O meu empresário sempre dizia para eu ficar ao lado de Emilinha porque assim eu sempre apareceria nas revistas¿, lembrou Cauby. ¿Ninguém na história da música brasileira foi tão fotografado e entrevistado como ela. Nem Roberto Carlos¿.

Depois, os tempos menos pródigos. Foram quase 20 anos de soberania no rádio, nos discos, nas excursões que realizava de norte a sul do país, seguidos de uma popularidade só reconhecida pelos mais fiéis integrantes do seu fã-clube. Nesse tempo, andou à procura de ghost writer para ajudá-la a contar a vida em livro, fez várias tentativas de voltar aos palcos, gravou LP independente, tornou-se vendedora em praça pública dos próprios discos, teve esperanças de reeditar o êxito de velhos carnavais, mas também o carnaval já não era o mesmo. Emilinha lutou, enfim, contra o esquecimento de que praticamente toda a geração do rádio ao vivo foi vítima.

¿ Emilinha foi uma guerreira e acreditava que o país tinha uma dívida com ela ¿ conta Ricardo Cravo Albim.

Na vida privada, mulher simpática, comunicativa, hospitaleira, de muitas amizades. Viajante incansável, tinha Paris e Nova York entre suas visitas preferidas. Era viúva de Artur de Souza Costa Filho, com que se casara em 1952. Teve com ele apenas um filho, Artur Emílio, que lhe deu três netos.

Emilinha morreu ontem, aos 82 anos, por volta das 15h, quando almoçava em seu apartamento e teve um enfarte fulminante, na Rua Figueiredo Magalhães, em Copacabana. Em junho, ela foi internada na UTI da Casa de Saúde Pinheiro Machado, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro, com traumatismo craniano e hemorragia intra-cerebral, decorrente da queda em uma escada.

O prefeito Cesar Maia decretou luto de três dias. O corpo da cantora está sendo velado na Câmara de Vereadores e será enterrado hoje, às 17h, no Cemitério do Caju.

COLABORARAM: Bernardo Araujo, Christina Fuscaldo e João Pimentel.