Título: É TUDO FAZ DE CONTA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 03/10/2005, O País, p. 4

Dirigentes da CPI dizem que vão prorrogar seus trabalhos até que todas as frentes de investigação sejam concluídas. Uma coisa é o que se diz, outra o que se faz. Na verdade, tudo o que os investigadores do Congresso querem hoje é um jeito de sair dessa sinuca sem se desmoralizar. E não é só o pessoal do governo, que tem motivos óbvios. A oposição também busca uma saída honrosa.

Por quê? Porque a CPI chegou naquele momento da encruzilhada. Já investigou e provou muita coisa, como a existência do valerioduto e seu esquema de abastecimento financeiro a deputados petistas e aliados. Produziu uma lista de deputados cassáveis, a maioria deles do PT e de legendas ligadas ao Planalto. Do ponto de vista político, portanto, já provocou um abalo antes inimaginável no partido que se elegeu sob a bandeira da ética, um grande estrago no governo e um tremendo desgaste ao presidente que, antes da crise, tinha reeleição quase certa. Até aí, gol da oposição.

De outro lado, porém, não se conseguiu, em qualquer das três CPIs e nem na Polícia Federal ou no Ministério Público, chegar à origem do dinheiro do valerioduto. Nessa busca, governistas e oposicionistas perceberam que a questão é mais complexa do que se pensava, até porque vai bem além das fronteiras do PT e de Marcos Valério.

Não se chegou, sobretudo, à confirmação da tese alardeada pelos oposicionistas nos primeiros tempos do escândalo, a de que se trata do maior escândalo de corrupção envolvendo desvio de dinheiro público da história do país. Quem vendeu esse peixe, não entregou até agora a mercadoria. Há corrupção no governo, sim, como já houve em outros e, lamentavelmente, ainda haverá em muitos. Mas até agora a CPI não estabeleceu conexões suficientes entre os casos de desvio de dinheiro público e o valerioduto a ponto de provar que havia um esquema com essa dimensão toda.

Então, neste momento delicado em que uns falam em pizza e outros dizem que o que tinha de ser provado já foi, é preciso equilíbrio e serenidade. Principalmente para se perceber o jogo dos dois lados e fazer as perguntas certas:

Será que não houve um acordo no meio do caminho? - Ninguém jamais admitirá isso, mas há fartas indicações de que, nos dias que precederam a elaboração do relatório dos cassáveis por receber dinheiro de Marcos Valério, tucanos e petistas se entenderam. Em que termos? Uns não incluíam o presidente do PSDB, Eduardo Azeredo, que teve dinheiro de Valério na campanha de 1998, no relatório. Outros baixavam a bola. Feito. O tempo mostrou que, se as coisas não andam nas CPIs, não é exatamente pela ação ofensiva do Planalto ¿ que, aliás, andou mais desarticulado do que cego em tiroteio esse tempo todo. Só achou o rumo de casa na eleição de Aldo Rebelo.

A corrupção nos Correios, no IRB e estatais explica o esquema? - Tudo indica que, além do relatório sugerindo as cassações, o resultado mais concreto da CPI será a comprovação de que há corrupção nos contratos desses órgãos. Já há provas nesse sentido. Mas se a CPI acabar só nisso dir-se-á que a montanha pariu um rato. Dificilmente preencherá as expectativas alimentadas na sociedade sobre a amplitude do suposto megaesquema de corrupção do governo petista. E as próprias investigações vão mostrando que a corrupção nesses órgãos não é de hoje. Já existia e só mudou de mãos.

O dinheiro de caixa dois no exterior vai aparecer? - Essa é uma das linhas mais quentes de investigação, levantada a partir da confissão de Duda Mendonça de que recebeu dinheiro no exterior. Os investigadores estão rastreando doleiros em busca de uma conta do PT no exterior, que abasteceria ilegalmente o valerioduto para distribuição entre petistas e aliados. Só que Duda recebeu também de Maluf lá fora. Outros também. Há contas e contas, legais e ilegais. A investigação é demorada. E há ainda a chance de a CPI atirar no que viu e acertar no que não viu: como os caminhos dos doleiros estão sempre se cruzando, podem chegar a contas de outros partidos. Isso ajuda ou atrapalha?

Múltipla escolha: até agora não ficou claro se o dinheiro veio... -

a) de desvios de órgãos e empresas públicas.

b) de negócios envolvendo investimentos dos fundos de pensão.

c) de contas no exterior abastecidas com dinheiro público e privado.

d) de adiantamento por favorecimento em futuras negociatas.

e) de tudo um pouco.

f) ou se jamais saberemos...