Título: A SOLUÇÃO NAS MÃOS DE CESAR
Autor: Natanael Demasceno e Selma Schmidt e Tais Mendes
Fonte: O Globo, 03/10/2005, Rio, p. 8

Vereadores dizem que se prefeito enviar projeto Câmara aprova demolições em favelas

As justificativas apresentadas pelo prefeito Cesar Maia para a favelização da cidade provocaram forte reação no Legislativo. Vereadores disseram que, se Cesar quiser mudar a Lei Orgânica do município, basta enviar um projeto que será aprovado, pois ele tem apoio da maioria dos integrantes da Câmara e seu partido é o de maior bancada. Em entrevista publicada ontem no GLOBO, o prefeito afirmou que a Lei Orgânica impede demolições em favelas, a não ser que os moradores concordem ou que os imóveis estejam em áreas de risco.

Também houve reação à idéia de Cesar de que os vereadores poderiam apresentar a proposta de mudança na lei. A maioria dos parlamentares ouvidos acha que qualquer iniciativa para mudar a legislação urbanística deve partir do gabinete do prefeito. Aliados de Cesar disseram que o problema precisar ser debatido. Já a oposição afirma que a prefeitura não tem conseguido conter o avanço das favelas e quer mudar o foco da discussão.

Vereadores lembraram que, como o prefeito conta com maioria na Câmara, tem aprovado quase todos os projetos de lei que envia.

¿ O prefeito conseguiu aprovar este ano quatro projetos de lei complementar, que exigem maioria absoluta. Ele tem 12 vereadores do PFL e alguns de outros partidos que se aliam conforme interesses pontuais. Quando o prefeito quer, aprova o que deseja ¿ disse a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB), presidente da Comissão de Justiça da Câmara.

Presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara, o vereador Luiz Guaraná (PSDB) disse que só a prefeitura pode apontar as dificuldades para a remoção das favelas.

¿ Por isso, qualquer iniciativa para a modificação da Lei Orgânica deve partir do Executivo. Cesar Maia é prefeito desde 1993, mas só nesta última gestão afrouxou o combate ao crescimento irregular das favelas. A lei era a mesma, mas ele combateu a favelização de forma incisiva nas suas primeiras gestões. Há dificuldades, mas elas nunca foram empecilho para a remoção ¿ lembrou o vereador, que, como subprefeito da Barra da Tijuca, acompanhou a remoção de várias favelas daquela área.

Vereador: Executivo tem poder de polícia

O vereador Eliomar Coelho (PT) afirmou que a Lei Orgânica e o Plano Diretor citados pelo prefeito não impedem a ação municipal em favelas.

¿ Não é verdade que o Executivo esteja engessado, pois tem poder de polícia. Se há uma legislação urbanística para determinada área e uma construção estiver em desacordo com as normas, ele tem todas as condições para demolir esse imóvel, esteja onde estiver. Quem é responsável por decidir e pôr em prática a política urbanística da cidade é o próprio prefeito.

Para o vereador Edson Santos (PT), vice-presidente da Casa, Cesar deveria pedir ao líder do governo, Paulo Cerri, que apresentasse o projeto de emenda à Lei Orgânica suprimindo o inciso que impede as remoções.

¿ Ele diz que está engessado pela Lei Orgânica para fazer remoções como justificativa para o fato de não ter uma política habitacional. O artigo 429 impede que se repita a experiência feita na década de 60, quando pessoas foram escorraçadas de suas moradias. Ele só tocou na Lei Orgânica depois que O GLOBO verificou o crescimento da Rocinha rumo ao céu ¿ disse Santos

O vereador Paulo Cerri (PFL) disse que a bancada do PFL terá uma reunião com o prefeito ainda esta semana para discutir o tema. Ele afirmou que Cesar está certo quando diz que a legislação limita a ação do Executivo. Segundo Cerri, a Câmara tem condições de debater o tema sem populismo, criando mecanismos que ajudem a estancar o crescimento das favelas.

¿ Se já é difícil fiscalizar construções em áreas legalizadas, imagine em áreas extralegais. A Câmara precisa criar mecanismos diferenciados para que o Executivo possa tratar do problema em áreas diferentes ¿ disse o vereador.

A presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, Aspásia Camargo (PV), afirmou que o prefeito tem o dever de enviar à Câmara as leis que ele julgar mais importantes para o controle da cidade.

¿ A Câmara não vai se eximir dessa discussão. Se existem erros na legislação, isso tem que ser discutido ¿ disse Aspásia.

Ela criticou o fato de Cesar responsabilizar o artigo 429 da Lei Orgânica. Segundo ela, outros incisos no mesmo artigo garantem instrumentos para que o prefeito garanta o ordenamento urbano.

A entrevista do prefeito também suscitou críticas fora da Câmara de Vereadores. Para o presidente da Associação de Moradores e Amigos do Leblon, João Fontes, enquanto Cesar e a Câmara não se entendem, a cidade continua sofrendo com o crescimento das favelas.

Já para o empresário Roberto Kauffmann, presidente do Sindicato das Empresas de Construção Civil (Sinduscon-RJ) e membro da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi-RJ), a solução para o problema está longe dessa discussão.

¿ De fato, a legislação engessa a remoção das favelas. Mas, para acabar com o problema das ocupações ilegais, você deve seduzir essas pessoas e não obrigá-las a sair ¿ disse.

Segundo ele, a solução para o problema é uma política habitacional para pessoas de baixa renda, que transforme áreas ociosas da cidade em espaços atraentes para a população que hoje vive nas favelas.