Título: CRESCIMENTO BAIXO AGORA VIRA MOTIVO PARA AGÊNCIA NÃO RECLASSIFICAR O PAÍS
Autor: Enio Vieira e Eliane Oliveira
Fonte: O Globo, 03/10/2005, Economia, p. 17

Até título brasileiro é negociado como se Brasil estivesse mais bem colocado

BRASÍLIA. Após ter a surpreendente melhora das contas externas nos últimos três anos, as agências de risco e os investidores vêem novo entrave para o Brasil: o crescimento econômico abaixo da média dos países emergentes, o que não ajuda a reduzir o calcanhar-de-aquiles da alta dívida interna. Estes pontos prejudicam a chegada ao seleto grupo dos países que são recomendados para investimentos e crédito a custo baixo. O Brasil precisa ser reclassificado e subir três degraus para atingir o sonhado ¿grau de investimento¿. Mas os títulos brasileiros já refletem, nas negociações diárias, uma melhora na classificação de risco, que poderia ocorrer ainda este ano.

¿ Pode haver um pequeno upgrade (melhora de avaliação), pois os investidores negociam os papéis brasileiros como se o país estivesse um degrau acima da sua atual classificação de risco pelas agências (BB-). Mas o caminho para o grau de investimento ainda é longo ¿ afirmou o economista-chefe para América Latina do HSBC Securities, Paulo Vieira da Cunha, que fica em Nova York.

Crise política poderia adiar reclassificação do país

Para o presidente da Fitch Ratings no Brasil, Rafael Guedes, os números brasileiros estão mais saudáveis. Mas ele aponta a questão das contas públicas, que dependem de reformas constitucionais. Neste ponto, entra a crise política no Congresso ¿ que paralisou votações e deixou o governo sem coalizão para fazer reformas. Ele lembrou que o governo consegue realizar um forte superávit primário a curto prazo para pagar os juros da dívida, mas o custo do endividamento é muito elevado e levanta dúvidas para o longo prazo.

¿ A parte econômica vai bem, mas nos preocupa a questão política ¿ disse Guedes, indicando que as agências aguardam os desdobramentos da crise para se posicionarem.

A pressão sobre as três grandes agências de risco ¿ Standard & Poor¿s, Moody¿s e Fitch ¿ tem sido grande para elevar a classificação brasileira. O diretor-executivo do Banco Mundial Otaviano Canuto, que foi secretário de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda no primeiro ano do governo Lula, acredita que não há razão para as agências deixarem de colocar o Brasil em uma posição melhor. Para ele, indicadores de contas externas e a situação fiscal sólida do país são mais do que suficientes para esse reconhecimento:

¿ O país está melhor, interrompeu a trajetória de crescimento da dívida pública e, segundo o ministro Palocci, terá uma nova redução da dívida em 2006, em pleno ano eleitoral.

Uma fonte da área econômica reconhece que há pontos que são preocupantes no exterior. Como o fato de o Brasil estar crescendo abaixo da média mundial, situando-se como lanterna das nações emergentes. O PIB brasileiro deve crescer 3,4% em 2005, contra uma média de 5,4% dos países em desenvolvimento e de 4,2% da América Latina, segundo a Unctad, órgão das Nações Unidas que analisa desenvolvimento e comércio internacional. O Brasil manteve uma média de 2,5% de crescimento do PIB nos últimos dez anos. O ideal, diz Guedes, da Fitch, é que a economia brasileira cresça no mínimo 4% ou 5% pelos próximos 20 anos.

Vieira da Cunha avalia que a questão fiscal ainda é débil, com um ajuste interno das contas públicas, a partir de 1999, baseado em aumento de receitas de impostos para cobrir despesas crescentes.

O Tesouro Nacional vem trabalhando para aproveitar a onda a favor da economia mundial. O quadro internacional se apresenta favorável ao Brasil, que emitiu, pela primeira vez, um título em reais no exterior há duas semanas, no valor equivalente a US$1,5 bilhão (cerca de R$3,34 bilhões). Segundo Guedes, da Fitch, a emissão em reais foi um bom começo, mas é pequena diante da dívida pública de R$970 bilhões.